terça-feira, 28 de julho de 2009

"A construção social da subcidadania"

De acordo com Turner, um drama possui início, meio e fim, podendo ser expresso através de um modelo agonístico, em situações de crise ou iminência de ruptura de um sistema. Nesse período de tensão, os resultados podem ser diversos. Pode predominar o peso da tradição, mantendo a continuidade da estrutura então abalada, adaptando-a, ou pode predominar o peso das forças de ruptura, quando as forças de continuidade não conseguem articular as armas que a estrutura vigente lhes confere. Estas armas, no que dizem respeito a um campo político, como o que aqui analiso, podem ser instituições como o Estado, o exército, a igreja ou a mídia.
Dito isto, podemos interpretar nosso drama nacional como uma série de períodos agonísticos, onde as elites políticas sempre se precipitaram em inventar nossas revoluções, através de golpes de Estado articulados em seus círculos mais restritos, constituindo assim uma história de continuidades e não de rupturas. Em 1822 o mito da independência, cristalizado simbolicamente na figura de D. Pedro I, surgiu dos interesses das elites brasileiras em busca de autonomia política.
Naquele momento, as correntes liberais, principalmente os ingleses, se constituíram na principal arena relacionada ao campo político. Aqui cabe ressaltar o significado atribuído por Turner aos conceitos de campo e arena. O campo seria o palco principal de um determinado enfoque teórico, e as arenas seriam campos relacionados onde as ações sociais efetuadas afetariam diretamente o campo central, não sendo menos importantes para a compreensão do evento metodologicamente selecionado.
Naquele momento, a arena intelectual teve sua maior expressão e influência na figura de José Bonifácio, um ideólogo liberal e político conservador que ficou conhecido como o patriarca da independência e fundador da nacionalidade brasileira. Bonifácio foi a maior figura simbólica daquele primeiro momento do drama por ter conciliado os interesses das forças econômicas com a necessidade de independência em relação às cortes portuguesas. Isto aparece com vigor em seus escritos políticos (BONIFÁCIO, 1964).
A necessidade política de criação de um mito nacional, na intenção de estabelecer uma unidade nacional através de uma identidade sedimentada no imaginário social, fez com que o campo político se articulasse intencionalmente com o intelectual, o que se cristaliza quando o Império, na década de 1850, encomendou um projeto de escrita para a história oficial do Brasil, elaborado então por Von Martius. Apesar de premiado pelo Império, Martius não levou o projeto à frente. Este desafio foi assumido pelo nosso primeiro historiador oficial, Varnhagem, em sua paradigmática obra História Geral do Brasil. Ali estava inventado o mito de nossa brasilidade: uma nação harmoniosa pautada na democracia racial, que depois seria atualizado e sistematizado por Gilberto Freyre (REIS, 2000).
Essa primeira parte de nosso drama tem início em 1808, como já mencionado, e termina em 1889, com alguns marcos e ritos importantes dentro deste período. A segunda metade do século XIX, no Brasil, foi marcada como a fase de maior estabilidade política e econômica, e como a época de maior fluxo de idéias novas, diretamente importadas da Europa e dos Estados Unidos.
O contexto ocidental do progresso e da modernização, neste sentido, proporcionou o pano de fundo moral e ideológico de nossa Abolição da escravatura e de nossa República. A Abolição, em 1888, representou a liberdade do mundo moderno. A República, em 1889, representou o patamar último do progresso. Nossos símbolos nacionais, como a bandeira e o hino, são ícones sacralizados destas representações. D. Pedro II foi, nesse contexto, o maior símbolo da modernidade que chegava com a era dos bacharéis, reproduzindo o modelo intelectual europeu.
As arenas relacionadas, nesse contexto, foram as correntes e grupos intelectuais que colaboraram diretamente na articulação molecular da proclamação da República, como os positivistas e os maçons, com suas propagandas republicanas. Os positivistas atuaram também diretamente na ação política, misturando assim os campos de ação como no caso de Benjamin Constant, considerado o pai da República, que recebeu a pasta do ministério da guerra no governo Deodoro, bem como Júlio de Castilhos no Rio Grande do Sul. Além do mais, a arena liberal cristalizou sua influência na imagem de Rui Barbosa, eternizado então como o organizador da República.
Este segundo momento, ou meio do drama, que é a República, foi marcado nem tanto pela brasilidade, mas pela idéia de modernização. É neste sentido que os principais campos de ação desta análise funcionam a partir de então. A situação agonística da Proclamação da República foi, assim, a necessidade de colocar o país nos trilhos do progresso e da modernização. Este objetivo foi perseguido durante toda a República Velha, nas mãos das oligarquias do café com leite, mas só atingido depois da Revolução de 30, marcando a última fase e o fim do drama nacional da independência.
Na década de 30, este final do drama nacional foi caracterizado pelo conflito entre duas arenas políticas: a crise do café com leite (São Paulo e Minas, que revezaram a presidência da República Velha) diante da rearticulação de antigas oligarquias do eixo Rio Grande do Sul - Rio de Janeiro - Recife. Este cenário contém uma aparência de ruptura, e Getúlio chega ao poder através do segundo eixo. A unidade nacional é posta em questão diante do conflito entre oligarquias, o que gera a necessidade de reafirmação da nacionalidade, ao mesmo tempo em que a modernização é palavra de ordem do dia.
Sendo assim, o paradigma radical da unidade nacional, como base ideológica do Estado corporativo de Vargas, foi o totalitarismo europeu, e a reafirmação de nossa identidade nacional foi articulada tanto no campo político quanto no intelectual. Quanto ao primeiro, temos a criação da SPHAN, secretaria de patrimônio histórico e artístico nacional, com o objetivo de selecionar um acervo que compusesse nossa tradição e a imagem de nosso passado no imaginário da nação.
Quanto ao segundo, intelectuais que eram interlocutores diretos do SPHAN, principalmente Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, estiveram reafirmando o caráter positivo de nossa nacionalidade através dos mitos da democracia racial e social e do brasileiro cordial.
Neste sentido, Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil são livros emblemáticos, fundadores de mitos nacionais que se eternizaram em nosso senso comum a ponto de dominar nossa mentalidade política e até científica. Casa Grande & Senzala, na verdade, retoma, sistematiza e sofistica a democracia racial inventada por Varnhagem, revitalizando o fundo ideológico de nosso drama.
Além disso, a figura de Oliveira Vianna, como consultor jurídico do governo Vargas, foi fundamental na composição da ideologia tutelar do Estado, contendo a influência de idéias darwinistas, spencerianas e positivistas. Este fundo ideológico sustentado por Viana era pautado na concepção de que o povo era naturalmente inferior e precisava ser conduzido pelo Estado ao aperfeiçoamento coletivo.
É importante perceber que este drama envolve todo o povo brasileiro, o que significa que está bem vivo em nosso imaginário social. No entanto, seus grupos-astros são nossa classe política e nossa elite intelectual, bem como nosso estamento burocrático, que geralmente funciona de acordo com a classe política. Estes grupos incorporam e reproduzem gêneros de desempenho cultural, para usar mais uma vez os termos de Turner, o que significa que seu padrão de comportamento e sua forma de pensar são a representação de paradigmas radicais principalmente europeus e, em certa medida, norte-americanos.
Além do mais, podemos identificar dentro deste grande drama nacional a articulação de arenas regionais de conflitos, que se constituem em dramas regionais paralelos ao nacional. Este é o caso das revoltas e insurreições regionais tanto no Império quanto na república, como por exemplo, a inconfidência mineira e as revoltas de Canudos e do Contestado. Sejam elas com apoio popular ou não, o importante é compreender que ali se empreenderam forças sociais de independência ou de protesto diante da unidade nacional, possuindo assim seus próprios grupos-astros, mitos, mártires e gêneros de desempenho, ao mesmo tempo em que foram arenas relacionais do campo nacional.
É interessante notar também que os nossos mártires ou heróis nacionais, sendo os principais deles D. Pedro I, D. Pedro II e Getúlio Vargas, acabam se transformando em algozes, quando vistos do ponto de vista dos dramas regionais. Não há mito mais marcante do que o chefe de um estado tutelar findar sua vida com um tiro na cabeça. Desta forma, o imaginário popular às vezes se confunde, podendo ser determinado pelo papel e pelas ideologias a que cada indivíduo ou grupo esteja diretamente ligado, dentro desse complexo contexto de articulação entre um drama regional e outro nacional.
Dentro deste cenário nacional, é muito curioso o papel historicamente desempenhado pelos nossos militares. Seja ao lado de conservadores, progressistas ou liberais, eles sempre foram cópias de si mesmos, ou seja, sempre foram o seu próprio paradigma radical, reproduzindo em todos os nossos golpes e repressões o papel de eternos guardiões da ordem em nome do progresso. A base ideológica dessa autopercepção coletiva dos militares remonta ao positivismo pré-republicano, a que devemos a idéia de que qualquer tipo de anarquia seria extremamente incompatível com o progresso.
Nossa necessidade de inventar um mito nacional se deve a ausência, em nossa jovem nação, do que Turner chama de consenso social sobre os valores. Isto significa a ausência de uma tradição firmemente consolidada no imaginário social, como foi, por exemplo, o caso das civilizações orientais estudadas por Max Weber. Devido a isso, nosso drama é caracterizado não só pela necessidade de se alinhar aos padrões políticos e econômicos do mundo moderno, mas também pela busca desesperada de uma identidade cultural.
Por fim, gostaria de ponderar uma propriedade fundamental dos dramas sociais identificada por Turner, que é o seu caráter elástico. Isto significa que um drama pode compreender grupos antagônicos e dialéticos no interior de sua estrutura. Sendo assim, a dinâmica social do campo Brasil, ao contrário do que sutilmente sugere Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, seria casa grande versus senzala, senhor versus escravo, elites versus povo, burguês versus proletário (SOUZA, 2003). Mas este é outro drama brasileiro que não cabe explorar neste trabalho.
Em suma, o que procurei analisar aqui foi a necessidade de articulação de nossas elites políticas e intelectuais em torno da necessidade de invenção de um imaginário social que sedimentasse a unificação política do país. É este processo, que procurei compreender como o nosso grande drama inaugural, que explica a criação de nossa identidade nacional na forma de uma brasilidade positiva, que omitiu e naturalizou nosso histórico distanciamento entre Estado e nação.
De modo que o resultado da dramatização de nossas elites a partir do paradigma radical europeu de Estado-nação não logrou nenhuma eficácia. Isto seria um caminho inverso ao processo civilizatório europeu, onde a cidadania se constituiu de baixo para cima. Como conseqüência, o estranho amálgama entre brasilidade e Estado tutelar só serviu para agravar nosso principal drama social, cristalizado em um naturalizado abismo entre um Estado virtual e a vida cotidiana da nação.
Todas as referências a Turner usadas aqui se remetem a mesma obra, não sendo necessário assim repeti-las.
Referências bibliográficas:

CADERNOS DE HISTÓRIA 7. José Bonifácio de Andrada e Silva. Escritos Políticos. São Paulo: Editora Obelisco, 1964.
CHAUI, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
COSTA, João Cruz. Contribuição à História das idéias no Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2004.
______. Sobrados e Mucambos. Rio de Janeiro: Record, 1990.
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil. De Varnhagem a FHC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 2000.
SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.
TURNER, Victor. Dramas, fields, and metaphors. Cornell University: Cornell University Press, 1975.

Autor:
Fabrício Barbosa Maciel
macielfabricio[arroba]yahoo.com.br
Bacharel em Ciências Sociais pela UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense; Mestrando em Políticas Sociais pela UENF; Membro da pesquisa "A construção social da subcidadania" coordenada pelo prof. Jessé Souza; e Membro do NETS – grupo de estudos em teoria social, coordenado pela prof. Adélia Miglievich.

Gilmar Mendes: “Estado Policial” ou Judiciário Policialesco?



29 DE MAIO DE 2009 - 16h30

Gilmar Mendes: “Estado Policial” ou Judiciário Policialesco?


por Diorge Alceno Konrad*

Há cerca de dois anos atrás, em 23 de maio, o então vice-presidente do STF Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes,[1] criticou “o Estado policial” que estaria em curso no Brasil. Na ocasião, alegava que os órgãos policiais estariam começando a discutir ordens judiciais, o que poderia levar o Brasil a outro modelo de Estado de Direito não o previsto na Constituição Federal.


(foto do New York Times: o mega-fraudador Bernard Leon Madoff é preso e algemado nos EUA.

Naquela conjuntura, Mendes vinha denunciando uma suposta ação da Polícia Federal que, segundo ele, teria vazado informações do inquérito da Operação Navalha.[2] Na época, responsabilizou o ministro da Justiça, Tarso Genro, pela publicização, afirmando que o Brasil estava ingressando num “Estado policial”, mas de “forma abstrata”, haja vista que não citou ação específica para tal denominação.

Sua referência histórica foi em relação a “KGB [da antiga União Soviética] e a Gestapo [do antigo regime nazista]”, para ele “modelos clássicos de Estado policial'' nos quais, segundo declarou em 1º de junho: “a gente sabe bem como isso começa e como isso termina”.

Mendes reagia à divulgação de uma lista em que era indicado como um dos contemplados por ''mimos e brindes'' da empresa Gautama, apontada como a coordenadora de uma alegada máfia das obras.[3] Na verdade, se tratava de um homônimo do ministro, Gilmar de Melo Mendes, que seria engenheiro civil em Sergipe.


Mendes também alegava que a Polícia Federal vinha fazendo ''terrorismo com a democracia'' através de uma “lógica absolutamente totalitária”. Era um momento em que se ampliava a exposição midiática do ministro do STF.


Gilmar Mendes, entre outras ações, ainda como vice-presidente do STF, soltou o ex-governador do Maranhão, José Reinaldo, preso pela Polícia Federal, em 20 de Maio de 2007. Já em 29 de Maio do mesmo ano, concedeu o habeas corpus que libertou o empresário Zuleido Veras e todos os 48 presos da Operação Navalha.

Depois disso, já como Presidente do STF,[4] em 10 de Julho de 2008, Gilmar Mendes mandou soltar Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity, bem como sua irmã, Verônica Dantas, e os outros executivos e diretores do banco. Todos foram presos pela Polícia Federal durante a Operação Satiagraha, acusados de fazer parte de esquema de desvio de recursos públicos, de lavagem de dinheiro e outros crimes que podem somar em torno de US$ 1,9 bilhão.

Operação Satiagraha, Grampos e Gilmar Mendes

Depois da Operação Satiagraha, muitos foram os protestos contra as decisões de Gilmar Mendes. 42 procuradores da República escreveram que ''as instituições democráticas brasileiras foram frontalmente atingidas pela decisão liminar que, em tempo recorde, sob o pífio argumento de falta de fundamentação, desconsiderou todo um trabalho criteriosamente tratado nas 175 (cento e setenta e cinco) páginas do decreto de prisão provisória proferido por juiz federal da 1ª instância, no Estado de São Paulo. As instituições democráticas foram frontalmente atingidas pela falsa aparência de normalidade dada ao fato de que decisões proferidas por juízos de 1ª instância possam ser diretamente desconstituídas pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, suprimindo-se a participação do Tribunal Regional Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Definitivamente não há normalidade na flagrante supressão de instâncias do Judiciário brasileiro, sendo, nesse sentido, inédita a absurda decisão proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.(...)''.

Conjuntamente com os procuradores, mais de 100 juízes federais da Terceira Região declararam: ''Nós (...) abaixo assinados, vimos mostrar, por meio deste manifesto, indignação com a atitude de Sua Excelência o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que determinou o encaminhamento de cópias da decisão do juiz federal Fausto De Sanctis, atacada no Habeas Corpus n. 95.009/SP, para o Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho da Justiça Federal e à Corregedoria Geral da Justiça Federal da Terceira Região.(...)''.


Somou-se a eles a Associação de Delegados da Polícia Federal com o seguinte protesto: ''a ADPF manifesta sua indignação quanto à nova decisão do ministro Gilmar Mendes que determinou a soltura do Senhor Daniel Valente Dantas, em desacordo com a jurisprudência dominante, que autoriza a prisão preventiva no caso de prejuízo à instrução criminal, e com supressão de instâncias do Poder Judiciário. Referida decisão desprezou o esforço desenvolvido pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal, bem como a criteriosa análise da legalidade e adequação realizadas pelo Juízo de primeira instância, quando da determinação da prisão preventiva do Senhor Daniel Valente Dantas. (...)

É inadmissível que à Polícia Federal, responsável por trabalhos conjuntos com o Ministério Público e o Poder Judiciário, norteados para a desejada e tempestiva mudança de um sistema historicamente focado à prisão de criminosos desassistidos, seja atribuída a pecha de ?canalhas? e ?gângsters?. A contrário senso, investigados pelo desvio de bilhões de reais dos cofres públicos, inclusive com a tentativa de suborno de Delegado de Polícia Federal, são tratados com beneplácito”.[5]

Ainda em 8 de maio de 2002, Dalmo Dallari escreveu o artigo “Degradação do Judiciário”, no qual alertava sobre a indicação de Gilmar Mendes para o STF: “(...) pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica. Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. (...)estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato.

Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. (...) É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em ''inventar'' soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, ''inventaram'' uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais. Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais. Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um ''manicômio judiciário''. (...) A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou ‘ação entre amigos’. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática”.[6]

O discurso sobre o “Estado Policial” foi reforçado sobre uma sequência de supostos grampos nas altas esferas do judiciário brasileiro. Durante a eleição presidencial de 2006, o Ministro Marco Aurélio de Mello denunciou que seus telefones e os de outros dois ministros do TSE estariam sendo grampeados. Em 2007, Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello requentaram a versão de que estavam sendo grampeados. Em 2008, após a Operação Satiagraha, depois de trabalho extra no fim de semana para soltar Daniel Dantas por duas vezes, Gilmar Mendes afirmou ter ouvido da desembargadora Suzana Camargo a acusação de que o juiz Fausto de Sanctis o havia grampeado. Depois disso, a revista Veja foi a porta-voz da matéria que “demonstrava”, a partir de um “anônimo” da Agência Brasileira de Informações, que a ABIN teria grampeado Gilmar Mendes em conversa com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

A partir de então, Gilmar Mendes aprofundou seu argumento sobre um “Estado totalitário” que grampeia telefones e prende e algema indiscriminadamente “pessoas de bem” sem que tenham sido julgadas e condenadas, tendo apoio constante do Partido da Imprensa Golpista – o PIG, em constantes factóides. Sobre isso, Idelber Avelar escreveu que este “é o único grampo da história da humanidade feito para que o grampeado fique bem na fita! Não é coisa de gênio?”.[7]


Estado Totalitário/Estado Policial?

Mas o que temos a aprender com categorias como Estado Totalitário e/ou Estado Policial na História, ambas com tanto apelo acadêmico ou de mídia?


O problema de análises centradas em torno do conceito de totalitarismo, categoria política transformada em período histórico, como aquelas defendidas por George Orwell ou Hannah Arendt,[8] mesmo que consigam fazer um bom relato sobre a violência político-policial praticada pelo Estado, o transformam num ente abstrato, detentor dos destinos do processo histórico, excluindo a luta de classes desse mesmo processo.


Visões teóricas ou políticas de que o Estado e a polícia tornam-se os sujeitos do processo histórico, faz com que desapareçam as possibilidades de compreender o Estado como instrumento da dominação de classe. Da mesma forma, a repressão não extingue a luta de classes, mas lhe dá outras dimensões, as quais são encobertas pelas teorias baseadas no conceito de totalitarismo. Mesmo que a reação dos trabalhadores, suas lideranças e seus movimentos sócio-políticos continuem passíveis de ser criminalizados ou enquadrados em situações como “caso de polícia” (exemplo clássico do Brasil da Primeira República, entre 1889 e 1930), as resistências de classes ou de grupos abrem variadas possibilidades de superações históricas do próprio “totalitarismo”. Nestas condições, em caso algum, o Estado tem “controle” absoluto sobre as mesmas. Não fosse isso, o “Estado Totalitário” da Alemanha pós-1933 teria, daí sim, durado mil anos como desejavam seus defensores.


Não seria preciso análise marxista para compreender os limites conceituais do “Estado Policial”. Pierangelo Schiera explica que no Estado moderno, diferentemente da hierarquia estática de uma ordem fechada do feudalismo, graças à ação do “príncipe” e de sua “polícia”, passou a se criar uma “estrutura aberta, inovadora, mecânica, propensamente igualitária (os súditos de um lado, o príncipe de outro), disposta desde cima”.[9]


Para o autor, na Prússia dos Hohenzollern essa noção passou a explicar a tautologia de uma expressão também usada pelos contemporâneos para designar “o sistema político a que a atividade da polícia dava forma (gute Ordnung und polizei)”. Nele, “polícia e ordem vêm a significar a mesma coisa, ou melhor, a constituir uma espécie de hendíadis, onde polícia é vista como meio de alcançar a ordem”. Isso, por sua vez, não é entendido como um “esquema pré-fixado e imóvel (como na tradição aristotélico-escolástica). É resultado constantemente mutável de certas interferências políticas”. O que leva a uma noção de um atributo implícito a essa “ordem de polícia” em que a “ordem deve ser ‘boa’, isto é, há de inspirar-se em critérios claros e essenciais que o príncipe tem por missão por em prática e nunca modificar”. Decorrente disso, a polícia passa a ser definida “como conjunto das instituições criadas pelo príncipe para a realização do bem-estar dos súditos”. Dessa forma, continua explicando Schiera, “o bem-estar e a ordem se apresentam, por isso, como fatores fundamentais tanto no plano da justificação ideológica, quanto no do funcionamento concreto, o da polícia, de que são, alternativamente, objeto e instrumento”. Ora, explica Schiera, foi contra esse estado de coisas, contra a noção de um “Estado policial” que a partir de Kant, o movimento e o pensamento liberal se contrapuseram, consolidando no século XIX a noção de “Estado de direito”.[10]


No Brasil da década de 1930, a discussão sobre Estado policial já estava presente. Em manifestação organizada por operários da Light, em homenagem a Getúlio Vargas e Lindolfo Collor, ocorrida em 24 de janeiro de 1931, centenas de trabalhadores, após desfile pela Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, se dirigiram ao Palácio do Catete. No trajeto, os estabelecimentos comerciais fechavam as portas. À frente deles, em um carro, foram Evaristo de Morais e Joaquim Pimenta, antigos defensores de uma legislação trabalhista para solucionar a “questão social”. Vargas esperava-os na sacada do palácio.

Dois operários discursaram, destacando a diferença no tratamento dos problemas sociais entre o governo iniciado recentemente e o anterior. Para eles, na administração passada, tais problemas eram considerados como meros casos policiais. Falaram que Vargas, em vez de trazer em sua túnica de soldado, perseguições e vinganças, criava o “paradoxo de uma ditadura liberalíssima”.

Da sacada do palácio, ao referir-se à “questão social”, o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Lindolfo Collor, argumentou que a revolução fora feita, antes de tudo “para garantir a liberdade do povo”. Pedia, então, ao operariado presente no Catete que observasse a diferença entre dois Estados: o Estado policial que via os fenômenos sociais pela ótica dos interesses econômicos dos patrões e pelas necessidades públicas da ordem material e o Estado que integrou as altas finalidades da assistência social, examinando os conflitos do trabalho através dos anseios de justiça e da necessidade de amparo das classes trabalhadoras. Este último era o Estado do governo de Getúlio Vargas.[11] Assim, para Collor e o governo pós-1930, a “questão social” deixava de ser “caso de polícia” para se tornar ‘caso de política”.


Porém, pouco tempo depois, em reunião no Ministério com o empresariado carioca, enquanto acontecia a greve dos operários da indústria de Adib Naber, Collor falou aos presentes que estranhava que os operários fizessem greve e depois apelassem a ele. Assim, utilizando uma linguagem policialesca, solicitava aos operários se manifestassem com clareza:

(...) Ou aceitam a ação do Ministério do Trabalho, que traz uma mentalidade nova, de cooperação... Ou se consideram dentro de uma questão de polícia, no sentido do antigo governo. Ou abandonam a mentalidade bolchevista e subversiva, ou se integram no corpo social a que pertencem. (...) as classes operárias estão sendo fomentadas por elementos subversivos – comunistas, para dizer a palavra perigosa – notei não há a menor dúvida. E muito menos do que esses elementos são agitadores internacionais, conhecidos e que apenas podem prejudicar a conquista dos direitos do operário, pelos quais sempre tive o maior desvelo.[12]


A ideia de Estado Policial em torno da chamada Era Vargas ganhou ressonância recente na historiografia brasileira. O conceito de Estado ou sociedade policial aparece com ênfase em Elizabeth Cancelli. A autora considera que “o Estado inaugurado pelos revolucionários de 30 via no poder da polícia um caráter administrativo para a sociedade enquanto um todo e um instrumento de poder pouco afável ao regime das limitações legais”. A historiadora explica ainda que, após outubro de 1930, “a violência tornava-se necessária para a preservação do espírito da ordem, no interior da concepção de uma sociedade de fundamentos orgânicos que não prescindia da necessidade de tornar-se uma sociedade policial”.[13]


Segundo Cancelli, “a polícia, em grande parte responsável pelo controle exercido por um Estado cada vez mais cerceador da ação, do discurso e da política, (...) e exerceu variadas formas de vigilância social”. Assim, o “projeto político do Estado previu a existência de um aparato policial capaz de exercer o controle social, diciplinar o dia-a-dia dos trabalhadores e da sociedade como um todo e, ainda, negar a individualidade dos homens a partir do estabelecimento de parâmetros comuns de comportamento e sentimento”. Dessa forma, continua a autora, “o Estado criou pela primeira vez a prerrogativa dos policiais de matarem a pessoa jurídica de setores da população, através do exercício de direitos duais que conferiam à polícia a prerrogativa de se colocar acima das leis”.[14]


Pode até se impressionar com o argumento sobre uma aproximação com um tipo de sociedade policial na história, pois parte das evidências e dos argumentos levantados pela autora nos levam a ver que, a partir de Vargas, a repressão policial foi intensa e explícita. Qualquer pessoa era potencialmente suspeita, não havendo garantia absoluta de direitos individuais ou civis, sem proteção para as batidas policiais, as súbitas prisões ou o desaparecimento de qualquer pessoa.


No entanto, o “Estado policial” varguista, iniciado em 1930, ou em 1935-1937 como querem outros, não ultrapassou 1945. Primeiro, por que teve no lado oposto a resistência político-social; segundo, por que sua pretensa coesão e harmonia social não impediram a compreensão político-ideológica pelos setores dominados e outros segmentos sociais de seu caráter classista.


Noutro exemplo clássico de um “Estado policial”, no caso a Alemanha pós-1933, Roger Manvell considera que com a ascensão dos nazistas ao poder, criou-se um estado policial altamente organizado e implacável, onde, atrás do poderio aberto do exército alemão e da polícia civil, estavam forças menos evidentes e em grande parte “secretas”, como as forças das SS e os seus colegas da polícia política, a Gestapo, criada por decreto de Goering, em 26 de abril de 1933, e que tinha a função especial de manter a segurança política da Alemanha, utilizando todas as formas de intimidação, interrogatórios, torturas e outros tipos de violências.[15]


Para Jacques Delarue, o segundo pilar no regime nazista seria a Gestapo e não o exército, e um dia chegaria que ela se tornaria mesmo a base do sistema. Quando os militares perceberam isso, já era tarde e os rumos da Alemanha estavam decididos.[16]

Democracia inacabada e Gilmar Mendes

O que o discurso sobre “Estado Policial” e “Totalitarismo” de Gilmar Mendes esconde? Como todos aqueles que têm utilizado tais categorias conceituais, esconde a dominação política do Estado por uma classe (e seus compromissos com essa dominação), transformando o próprio Estado (mesmo o “Democrático de Direito”) em pretenso e universal agente da História, o qual visa o “bem comum”.


Não foi por nada que o recém-criado movimento “Gilmar Dantas: saia às ruas”, que se manifestou em Brasília, São Paulo e Belo Horizonte, em 6 de maio corrente, defendeu que “uma democracia viva é aquela com o povo nas ruas”. Por isso, o manifesto do movimento salientou, entre outras, a percepção popular “que a Justiça ainda trata pobres e ricos de maneira desigual”. Nela, “os privilégios de classe e o preconceito contra os movimentos sociais persistem na mais alta corte do Brasil”, criando o sentimento de traição “por quem deveria zelar – e não destruir – (por) nossa democracia: o Presidente do Supremo Tribunal Federal!”.
No atual processo de conscientização sobre o papel de Gilmar Mendes e seus apoiadores da mídia, como diz o Manifesto, “Ao libertar o banqueiro Daniel Dantas e criminalizar os movimentos populares, o Ministro Gilmar Mendes revela a mesma mentalidade autoritária contra a qual lutamos nos últimos 30 anos”, pois “o Brasil já não admite a visão achatada da lei, aplicada acriticamente para oprimir os mais fracos (...) já não atura palavras de ordem judiciais – como ‘estado de direito’, ‘devido processo legal’ ou ‘princípio da legalidade’ – apresentadas como se fossem mandamentos divinos para calar o povo”, pois “não há espaço no Brasil para um Judiciário das elites, um Judiciário das desigualdades”.


Seria contra esta conscientização em torno do domínio das classes dominantes e a instrumentalização da justiça e das leis que Gilmar Mendes tem jogado a cortina de fumaça do “Estado Policial” para encobrir os compromissos de setores majoritários do Judiciário a serviço das elites, baseados no autoritarismo judicial mantido contra a sociedade brasileira, através de um Judiciário que ainda não completou sua transição para a democracia?


A reação popular diante do privilégio da lei para alguns, tomados por “pessoas de bem” por serem proprietários do Opportunity, da Daslu ou de grandes extensões de terra. Tratados como mais iguais que outros, por juristas complacentes com a manutenção da desigualdade, a revolta se expressa através do “Manifesto do Movimento Saia às Ruas”: “nas ruas e nos campos, nas capitais e no interior deste País, milhões de brasileiros escondem uma dor cortante dentro de si. Nossa dor é uma dor moral, que nos corrói a alma e nos aperta o coração. Sofremos por nossa democratização inacabada expressada no presidente do Supremo que, a pretexto de defender direitos individuais, criminaliza movimentos sociais e beneficia banqueiros poderosos”.[17] Mas para Gilmar Mendes e os que o apóiam isto PODE!!!!


E como sempre, totalitários e policialescos são os outros quando querem o fim dos privilégios, quando querem um Estado efetivamente republicano que seja promotor da horizontalização dos direitos para que um dia este mesmo Estado seja historicamente desnecessário. Ah, mas para Gilmar Mendes e os que o apóiam isto NÃO PODE!!!!

Notas

[1] Gilmar Ferreira Mendes, 52, mato-grossense de Diamantino já passou por vários cargos importantes até galgar ao escalão máximo dos juristas (a presidência do STF). Durante e depois da Ditadura Civil-Militar, entre 1973 e 1990, estudou Direito (bacharelado, dois mestrados e um doutorado), no Brasil e na Alemanha e depois disso, tornou-se professor de Direito Constitucional da UnB. Nesse meio tempo, entre 1985 e 1988, atuou como procurador da República e foi assessor técnico do Ministério da Justiça na gestão de Nelson Jobim, entre 1995 e 1996. Antes de ocupar cargo estratégico no governo FHC, Mendes foi adjunto da Subsecretaria Geral da Presidência da República (1990-1991) e consultor-jurídico da Secretaria Geral da Presidência da República (1991-1992), quando defendia o ex-presidente Fernando Collor de Melo junto ao STF. Entre 1993 e 1994, foi assessor técnico na relatoria da revisão constitucional na Câmara dos Deputados. Depois de trabalhar com Jobim, continuou galgando degraus na era FHC, quando foi subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil (1996-2000). Até que, em 2000, foi convidado ao cargo de advogado-geral da União, onde permaneceu até o fim do segundo mandato de Fernando Henrique. Ver estas informações, e outras mais, escritas por Cristina Moreno de Castro, no artigo Um retrato de Gilmar Mendes. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/04/444648.shtml. Acesso em 24 mai. 2009.

[2] A Operação Navalha desarticulou organização que desviava recursos públicos federais na Bahia, em Goiás, no Mato Grosso, em Sergipe, em Pernambuco, no Piauí, no Maranhão, em São Paulo, em Alagoas e no Distrito Federal. A Gautama foi acusada pela PF de desviar recursos dos Ministérios de Minas e Energia, da Integração Nacional, das Cidades e do Planejamento, bem como do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), pagando propina e dando presentes para as autoridades envolvidas. Seu objetivo seria obter vantagem nas licitações para obras públicas. No grupo atuavam pessoas diretamente ligadas à construtora Gautama, contando com auxiliares e intermediários, responsáveis pelo pagamento das propinas, enquanto que autoridades públicas tinham a função de remover obstáculos à atuação da organização.
[3] Coincidência ou não, em maio de 2007, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar para revogar a prisão preventiva do empresário Zuleido Veras, dono da construtora Gautama. A prisão preventiva de Veras foi decretada pela ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatora do inquérito contra os investigados na Operação Navalha, a qual manteve Zuleido preso porque ele ficou em silêncio durante o depoimento. Na ocasião, Mendes argumentou que não fazia sentido manter a prisão de Zuleido e de outros incriminados ''para a mera finalidade de obtenção de depoimento'', uma vez que o STJ tinha amplos poderes para convocá-los quando necessário.


[4] Mendes assumiu a Presidência do STF em 23 de abril de 2008.


[5] As declarações acima, dos procuradores da República dos juízes federais da Terceira Região e da Associação de Delegados da Polícia Federal se encontram no artigo de Cristina Moreno de Castro já citado. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/04/444648.shtml. Acesso em 24 mai. 2009.


[6] Ver o artigo na íntegra no blog do saudoso Fausto Wolff. Disponível em http://www.olobo.net/index.php?pg=colunistas&id=978. Acesso em 25 mai. de 2009.


[7] Ver as declarações de Idelber Avelar no artigo “Veja: Gilmar Mendes e suas mentiras”. Disponível em http://www.idelberavelar.com/archives/2008/09/veja_gilmar_mendes_e_suas_mentiras.php. Acesso em 25 mai. de 2009.


[8] Ver ORWELL, George. A revolução dos bichos: um conto de fadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; ORWELL, George. 1984. São Paulo: IBEP Nacional, 2003 e; ARENDT, Hannah. O Totalitarismo. In. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.


[9] As indicações abaixo estão ligeiramente modificadas em minha tese de doutorado O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937), defendida no IFCH-UNICAMP, em 2004. Ver páginas 22, 42-45, 141 e 175.


[10] Hendíadis é a expressão de um conceito por dois substantivos quando um só bastaria. Ver essas passagens de autor, quando desenvolve o verbete “Estado de Polícia”. In. BOBBIO, Norberto, MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de política. 4 ed. Brasília: Ed. da UNB, 1992, vol. 1, p. 409-13.


[11] Ver a matéria “Realizou-se ontem, na capital da República, revestindo-se de grande imponência, a manifestação promovida pelos operários aos srs, Getúlio Vargas e Lindolfo Collor”. In: Correio do Povo. Porto Alegre, 25 jan, 1931, p. 1.


[12] Edgard Carone cita a fala de Collor aos empresários a partir de matéria sobre o encontro extraída do Jornal do Comércio de 18/04/1931. Cf. apud A República Nova (1930-1937). 2 ed. São Paulo: Difel, 1976, p. 134.


[13] Cf. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Ed. da UNB, 1993, p. 23 e 25.


[14] Idem, p. 26 e 32.


[15] Ver MANVELL, Roger. SS e Gestapo: a caveira sinistra. História ilustrada da 2ª Guerra Mundial. Coleção Política em Ação n. 3. Rio de Janeiro: Renes, 1974, 6-11 e 24-37.


[16] Cf. DELARUE, Jacques. História da Gestapo. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, s/d., p. 55-75 e 156.


[17] Ver sobre o Manifesto na matéria “Saiba quem é o movimento 'Gilmar Dantas: Saia às ruas'”. Disponível em http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=55665. Acesso em 25 mai. 2009.




*Diorge Alceno Konrad, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP

sábado, 25 de julho de 2009

Análise 4: O mundo da violência e vigilância: A Era Vargas

O mundo da violência e vigilância: A Era Vargas.
Por: Amilson Barbosa Henriques
Resenha do livro: CANCELLI, Elizabeth . O mundo da violência: a polícia na Era Vargas. 02. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994. A grande e constante vigilância sob a qual fora colocada a sociedade brasileira durante o período do regime do Estado Novo e de seu presidente, Getúlio Vargas, evidenciando a grandeza e centralização de todo o aparato policial, sendo disponibilizado a favor deste regime, capaz até de eliminar certas categorias da população “sempre passaram despercebidas pela historiografia do Brasil”. E neste sentido, a busca crítica e minuciosa que vai além da existência da tortura, da repressão, dos crimes do medo (e etc.), de como tudo isso passara a ser acionado pelo Estado em seu exercício pleno do poder. As certezas de um projeto político popularmente aceito pós-30, funda-se na busca de uma identidade nacional (a brasilidade), de como o indivíduo conformado, e sendo mesmo um espectador na grande maioria das vezes, manipulando-se os seus sentidos; e a brutalidade do totalitarismo e sua impulsão das massas e manutenção do poder. Para uma investigação e uma pesquisa orientada sob tais aspectos Elizabeth Cancelli em seu livro “O mundo da violência. A polícia da era Vargas”, utiliza de uma gama enorme de documentos oficiais e civis, além de contar com uma escrita muito boa e de um olhar crítico apurado. Cancelli com isso nos revela e desmistifica o suposto corte temporal que aparenta existir em 1937 quando é decretado o Estado Novo, mostrando que há ao invés disto um desenrolar histórico originado pelo projeto político estadonovista. Estado este que em sua trajetória vai se mostrar ser dual - o institucional e o de prerrogativas. “A falta de princípios policiais garante a eficácia do poder, a polícia produz e reproduz como o grande agente de instabilidade social”, prende o cidadão fazendo inimigos objetivos para justificar suas medidas repressivas e a centralização que todo esse aparato policial exigia, fazendo só por isso aumentar os preconceitos e a grande hostilidade aos imigrantes e também a seus descendentes, bem como a outras parcelas e estereótipos existentes na sociedade. A polícia modifica a noção de cidadania do cidadão e da sociedade. E com a utilização de muitos e variados documentos (como já foi dito) a autora consegue mostrar como agia a polícia de Vargas, que com seus inúmeros decreto-lei outorgava e legitimava todo o poder da polícia, sempre subordinada assim a seus mandos e desmandos, esclarecendo também o poder que possuía o chefe de polícia que em muitas vezes detinha mais poderes e liberdades de ação do que ministros e seus devidos ministérios. “O mundo da violência” possui também além de uma rica bibliografia, alguns exemplos anexos no texto dos documentos utilizados e que fazem menção e ilustram a ação de órgãos relacionados com a repressão que o Estado imprimia, documentos de origem e aprendidos (censurados) pelo Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS) e pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), dando-nos assim, uma visão panorâmica de como os braços da repressão se estendiam e de sua complexidade. Através destes departamentos – todos sempre ligados ao presidente diretamente – se disseminava a figura do líder, “de um ente Todo-Poderoso que passara a ser confundido com toda a sociedade, era o símbolo mais forte da união nacional”, na tentativa de assegurar a sociedade uma identidade, sua homogeneidade. O Estado Novo pretendia criar o novo homem, o novo cidadão, por isso tais afirmações, da brasilidade, do trabalho supervalorizado e de seus trabalhadores, dos bons costumes e da “correta organização social”, a polícia servia em muitas vezes como um pretexto para assegurar a organização desta nova sociedade, para garantir o seu sucesso e divulgação sem “interpéries indesejáveis”, para não deixar que pessoas que iam “supostamente” contra o regime atrapalhassem ou “sujassem”o que era “certo” sob o seu ponto de vista. Mas muito mais que isso, a polícia era o braço direito do governo Vargas; ela garantia a manutenção do poder através do terror e da instabilidade gerada, ela era “o elemento que fundamentava o poder de Vargas”, retirando do indivíduo os seus direitos jurídicos e humanos. Com este estudo minucioso e qualitativo a autora aborda diferentes temas sempre ligados umbilicalmente a população e ao governo, do indivíduo ou grupo ideológico e político com as instituições da repressão. Com esta abordagem Cancelli consegue nos passar e esclarecer muitos pontos obscuros dentro da política estadonovista e seus respectivos órgãos de controle e governo, de como se organizavam e como exerciam suas atividades em prol do regime, e também quais os seus efeitos dentro da sociedade, pois a repressão instalava o medo e o terror entre as pessoas, atingia não só apenas os torturados, os presos e perseguidos, atingia também em uma esfera mais ampla a família – abordagem que Cancelli infelizmente deixa de lado.

Análise 1:O TOTALITARISMO DE VARGAS SOB UMA ÓTICA JURÍDICA E FILOSÓFICA DA DIALÉTICA

ANÁLISE DA CONCEITUAÇÃO DE HEGEL ACERCA DA TEORIA DE ESTADO APLICADA À ESTRUTURA DO ESTADO NOVO: O TOTALITARISMO DE VARGAS SOB UMA ÓTICA JURÍDICA E FILOSÓFICA DA DIALÉTICA.
Lauro Ericksen Cavalcanti de Oliveira 1
Victor Rafael Fernandes Alves 1
Rodrigo Pinheiro Rebouças 1
Alexandre Luiz Cavalcanti da Silva 1
(1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN)
INTRODUÇÃO:

Inicialmente, é de grande importância buscar elementos históricos que embasem a formação do Estado Novo por parte de Getúlio Vargas, traçando suas estratégias políticas e instrumentos jurídicos de ação. A concatenação da idéia totalitária por parte de um governante bem sucedido até a proposição de formas agressivas de imposição do poder. Ponderando todo esse panorama numa visão hegeliana de ética e filosofia política envolvendo sempre a parte do direito e suas acepções acerca de Estado e sociedade. Partindo da análise das estruturas basilares do sistema totalitário imposto por Vargas comparando com as possíveis semelhanças para com a teorização de Hegel sobre estado de força e demais conceitos filosóficos acerca da direção política e jurídica do Estado. Comparando a dicotomia entre a posição do indivíduo dentro do estágio inicial de estado de direito que sofre uma regressão ao totalitarismo e sua existência extra-estatal, amparado sobre as conceituações do filósofo alemão acerca do tema abordado. Dando margem a importante caracterização desse período histórico para uma compreensão filosófica do sistema, bem como seu ponto de fulcro para as medidas adotadas por Vargas no curso de seu governo.
METODOLOGIA:
Construindo o arcabouço teórico inicial dos parâmetros jurídicos e filosóficos do sistema totalitarista do Estado Novo, basicamente utilizando-se do sistema dialético de Hegel, se busca contrapor as idéias mais especificas e visualizar através da síntese o método de aquisição de forças jurígenas o sistema político desenvolvido por Vargas. Calcando-se em argumentos de ordem histórica e reavivando princípios gerais do direito, se perquiriu toda a razoabilidade do sistema apresentado seguindo o módulo analítico do filósofo alemão, que em suas obras já evocava fatos anteriores para pontuar acerca de sistemas políticos e filosóficos. Seguindo de maneira atenta as estruturas basilares de tese, antítese e síntese, que o esquema dialético de forma sucinta, traça-se o perfil do Estado abordado, além de colher informações sobre a sociedade e o ambiente político analisado. Juntando a tese do estado totalitário alcançado por Vargas e todos os elementos a ele referentes, em analise qualitativa para com a antítese da filosofia hegeliana de Estado e sociedade coadunados ao período histórico, visualizando a síntese dessa dialética social no âmbito jurídico e filosófico como proposto. Com enfoque especial nas relações dos indivíduos para com o Estado e dos indivíduos num plano extra-estatal.RESULTADOS:
Expressamente percebe-se a agressividade das políticas do governo Vargas em sua fase totalitária, em decorrência da análise dialética, recobre-se sob o manto do espírito forte aplicado ao Estado por parte do próprio Hegel, que a esse modo de operação vem a se repercutir diretamente no direito da época, desde medidas nacionalistas controlando austeramente a economia, até supressão de direitos individuais. O Estado Novo excluindo prerrogativas básicas dos indivíduos em prol da progressão estatal tinha como resultado o fortalecimento da presença do mesmo perante a sociedade através do autoritarismo. Obtendo-se como resultado dessas forças políticas e jurídicas do universo estatal tem-se que o Estado Novo de Vargas realmente se adequa ao estado absoluto proposto por Hegel. Abstraindo por tal que o esse Estado, apesar de ser um retrocesso na idéia de democracia, era depurado das vicissitudes e fraquezas que lhe poderiam acometer se não impusesse a forma agressiva de governo. Notório que todos os mecanismos de reforço ideológico eram usados em prol da não existência extrínseca do indivíduo frente ao Estado, nem tendo ele a capacidade jurídica de se opor ao mesmo, sendo tolhido por medidas restritivas. Finalmente, na acepção hegeliana de atuação e perpetuação, depois de aplicada análise histórica de fatos, tendo por resultado que na situação especifica abordada, o espírito, como elemento de força defendido pelo alemão foi utilizado de maneira exemplar para a manutenção do poder.
CONCLUSÕES:

A estrutura do Estado Novo era de uma solidez e uma apuração notável. A agressividade de sua atuação é um dos motivos pelo quais se mantinha em coerência com a filosofia hegeliana de espírito forte, concluindo em sua própria conceituação a adequação ao modelo de governo soberano e absoluto. Ficando a existência do individuo num parâmetro extra-estatal reduzida ao mínimo possível, por vezes totalmente engessada. E o ordenamento jurídico desse estado totalitário, por conseguinte acompanha a sorte de medidas restritivas dos direitos individuais e das garantias, suprimindo suas possíveis evocações. No rastro da concatenação filosófica de Hegel se finaliza a questão do Estado Novo enquanto ordem da época vigente na estruturação antidemocrática, todavia subsumida as teorizações do filósofo como definidas a priori para nortear a análise. Transcendendo a sociedade do Estado aos outros modelos de sociedade existentes, pois seu valor ético é superior as individualidades denotadas essencialmente pela valoração particular e privadas da sociedade familiar e da sociedade civil. Formalizando nessa perspectiva a concepção ético-humanista do Estado, vislumbrada na terminologia adequada como espírito vivente. Chegando ao fundamento teleológico basilar do Estado Novo de seu encaminhamento histórico calcado em preceitos hegelianos, que persistiu por tempos e marcou de modo singular a história brasileira tanto no âmbito filosófico quanto jurídico.
Instituição de fomento: Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN

Palavras-chave: Estado Novo; Direito; Hegel.Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006

Análise 3: Fundamentos ideológico-políticos: Fascista ou liberal-democrática?

REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
CLT - Fundamentos ideológico-políticos: Fascista ou liberal-democrática?
Introdução
Apesar das polêmicas que giram em torno da chamada Era Vargas, entre os anos 30 e 50 do século XX, é incontroverso que foi nesse período que
se iniciou o processo de institucionalização dos direitos trabalhistas, individuais e coletivos. Cite-se, por exemplo, a criação da carteira de trabalho
(1932), da Justiça do Trabalho (1946), do salário mínimo (1940) e do descanso semanal remunerado (1949). Durante o governo de Getúlio Vargas
também foi regulamentado o trabalho do menor, da mulher, o trabalho noturno e o direito à aposentadoria para os trabalhadores urbanos. Estes e
outros direitos, garantidos inicialmente na constituição de 1934, foram reunidos mais tarde na CLT, em 1943, e permanecem até hoje, apesar do
vai-e-vem de avanços e retrocessos nas conquistas trabalhistas que se sucederam nos governos seguintes.
Segundo Ângela de Castro Gomes: mesmo no Estado Novo, trabalhar não era um meio de ganhar a vida, mas sobretudo um meio de servir à pátria.
Já na Constituição de 1937 se adotava o critério de que o trabalho era um dever de todos (artigo 136), e que a desocupação era crime contra o
próprio Estado.[1]
Publicada no tumultuado cenário político e econômico mundial dos anos 40, a CLT até hoje tem sido alvo de críticas por grande parte da doutrina
especializada. Alguns a acusam de contribuir no processo de controle da classe operária pelo Estado, nos moldes da Carta del Lavoro, idealizada
durante o regime fascista na Itália. Essa idéia se difundiu face à instituição da unicidade sindical, do imposto sindical compulsório e do poder
normativo atribuído à Justiça do Trabalho, os quais refletiriam a ideologia corporativista fascista. A partir dessa crítica, surgem propostas de reformas
na legislação trabalhista, principalmente no que concerne ao direito coletivo, no sentido de atribuir maior liberdade sindical e autonomia da vontade
coletiva.
De outro lado, a crítica conservadora argumenta que as leis trabalhistas, de certa forma, prejudicam os trabalhadores ao aumentarem o chamado
"custo Brasil", onerando demasiadamente as empresas e gerando mais desemprego e subemprego. Para resolver tais problemas, acena com
propostas de maior flexibilização e desregulamentação das legislação trabalhista.
Diante desse paradigma, faz-se necessário alguns esclarecimentos sobre a chamada doutrina fascista, sobre o movimento corporativista e sobre a
Carta del Lavoro, todos originados na Itália, no início do século XX. O objetivo é averiguar em que medida a legislação trabalhista brasileira teria
nascido sob a influência da ideologia fascista de Mussolini e lançar as bases para uma melhor compreensão dos fundamentos ideológicos e políticos
da legislação trabalhista brasileira.
1. O Fascismo e o corporativismo na Itália do início do século XX.
O fascismo foi um dos regimes totalitários do século XX, de inspiração hegeliana, surgido na Itália, no final da primeira Guerra Mundial, e que
perdurou até o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Ao então chefe de governo, Benito Mussolini, foram atribuídos todos os poderes de um
ditador, fazendo com que a Itália vivesse um período de ausência total de liberdades individuais e políticas. Ao longo dos mais de 20 anos em que
perdurou o regime foram suprimidas todas as formas de autogoverno das administrações locais, o sindicato fascista assumiu o monopólio da
representação operária, as greves foram proibidas, a imprensa censurada e os partidos de oposição, suprimidos. Um tribunal especial foi criado para
julgar os opositores do regime e a pena de morte voltou a viger.
O regime fascista surgiu, em parte, como uma reação à Revolução Bolchevique de 1917, na Rússia, e em parte, às idéias liberais características do
pós-Revolução Francesa. Contudo, é certo que o fascismo se propunha a realizar um discurso liberal, mas conservador na prática, uma vez que
Mussolini, no fundo, adotou por completo a idéia liberal mesmo dizendo combater o Stato liberale, como se fossem duas coisas diversas.[2]
Em um dos seus mais famosos discursos, ocorrido em 19 de agosto 1921, e publicado no Diario della Volontà, Mussolini afirmava que:
Il Fascismo è una grande mobilitazione di forze materiali e morali. Che cosa si propone? Lo diciamo senza false modestie: governare la Nazione. Con
quale programma? Col programma necessario ad assicurare la grandezza morale e materiale del popolo italiano. Parliamo schietto: Non importa se il
nostro programma concreto, non è antitetico ed è piuttosto convergente con quello dei socialisti, per tutto ciò che riguarda la riorganizzazione tecnica,
amministrativa e politica del nostro Paese. Noi agitiamo dei valori morali e tradizionali che il socialismo trascura o disprezza, ma soprattutto lo spirito
fascista rifugge da tutto ciò che è ipoteca arbitraria sul misterioso futuro.
O objetivo do fascismo era, em síntese, substituir o sistema liberal democrático clássico, então vigente, – de inspiração rousseaunia e iluminista – por
um modelo concentrado na idéia de representação por grupos profissionais – inspirada na noção de corporação de Hegel. Essa política veio a se
tornar conhecida como corporativismo[3].
O nome corporativismo deriva das corporações de ofício que controlavam a vida urbana em muitas cidades da Itália medieval. Desde o início, o
sistema corporativo encontrou, forte oposição interna por parte dos grandes industriais e dos proprietários de terra, os quais se sentiam ameaçados
pelo Partido Nacional Fascista.
Contra as constantes exigências de liberdade, necessárias ao desenvolvimento do sistema econômico, o fascismo buscou obter a harmonização
entre as exigências dos trabalhadores e dos empregadores, principalmente pelo método da coerção, a fim de que tudo ficasse sob a autoridade do
Estado. Assim, empregados e empregadores passaram a ser enquadrados em um único sindicato fascista.
A Carta del Lavoro, editada em 21 de abril de 1927 pelo Gran Consiglio Del Fascismo, foi o documento político fundamental do ordenamento
corporativo. Expunha, em trinta declarações, os princípios fundamentais sobre os quais se inspiraram as sucessivas legislações fascistas. A
publicação da Carta, como escreveu De Felice, realizou os objetivos políticos que Mussolini prefixou e serviu para dar uma aura de sociabilidade ao
novo regime.[4] Na verdade, tratava-se de um documento solene que exprimia a ética e os princípios sociais do fascismo e resumia toda a sua idéia
de organização do trabalho, a qual estaria fundamentada em uma lógica produtivo-corporativa. Sob uma perspectiva social e em particular do
melhoramento das condições do trabalho, a Carta del Lavoro não inovou significativamente. Segundo De Felice, a Carta foi uma tentativa tomada por
parte do fascismo de impor um modelo de organização social que pudesse surgir como uma resposta à ideologia materialista do socialismo fundada
na dinâmica da luta de classes. De qualquer modo, a Carta del Lavoronão nasceu de improviso, pois antecipações daquelas idéias já se encontravam
em curso no pensamento nacionalista, em legislações esparsas anteriores e, em especial, no institucionalismo autoritário de Alfredo Rocco.
Diversamente daquilo defendido pelo próprio fascismo, a Carta del Lavoronão trazia grandes inovações – com exceção de algumas normas gerais de
conduta e de aprimoramento das condições de trabalho – e pouco tinha de ‘ponto de partida’ para um novo ‘Estado do povo’, pois quase nada de
revolucionário e inovador ela apresentou em relação à situação sócio-política que já vinha se desenvolvendo na Itália do início do século XX.[5]
A auto-administração da economia, a conciliação das diversas vertentes e conflitos de trabalho realizados no ordenamento corporativo, foram alguns
dos principais argumentos propagandísticos usados pelo regime. Porém, este ordenamento nasceu frágil porque, como se sabe, os grandes
industriais italianos se recusaram a fazer parte da implementação do corporativismo.
A idéia dos fascistas em matéria de corporativismo não era nada unânime. Havia numerosos fascistas, moderados e intransigentes, que não
acreditavam em suas propostas. Tais eram, por exemplo, os moderados Grandi e Emilio De Bono, os fascistas intransigentes, como os secretários do
PNF, Turatti, Giuriati, Leandro Arpinati e por fim, também Farinacci, que em um primeiro momento foi favorável. O próprio Mussolini não tinha muita
fé no corporativismo, pois temia que este tomasse espaço do partido.[6]
Na época em que foi elaborada a Carta del Lavoro, impuseram-se as idéias de Mussolini sobre o corporativismo, quais sejam, o sindicato e as
corporações deveriam ser concebidos como sendo tão-somente órgãos burocráticos do Estado. Contudo, após 1933, a idéia de corporativismo foi
abandonada por Mussolini. O Duce queria realmente que as intervenções públicas na economia fossem conduzidas não pelas corporações, mas sim
pelo Estado.[7] Mussolini tinha dois objetivos: (1) impedir que as corporações pudessem se tornar centros de poder capazes de fazer sombra a sua
liderança política frente às massas, e (2) não fazer qualquer coisa que desagradasse os grandes industriais, sobretudo naqueles temas que o Duce
considerava de secundaria importância.[8]A conclusão foi que no ordenamento corporativo os sindicatos acabaram sendo postos sob a tutela do
Estado e tornaram-se instrumentos de controle político, subordinados ao Partido Nacional Fascista.[9] Ao fazerem parte da burocracia estatal nos
anos 30, as corporações tornaram-se um meio de fazer carreira, paralelamente à via “oficial”, seguida dentro do partido.
Pelo exposto, portanto, podemos concluir que a famigerada doutrina corporativista nasceu sob forte desconfiança do próprio partido fascista italiano e
cedo foi abandonada por aqueles que queriam, acima de tudo, o controle do Estado e do Partido sobre as demais instituições, não obstante o modelo
econômico proposto pelo fascismo fosse, sem dúvida alguma, o capitalista.
2. O contexto sócio-político brasileiro no momento de elaboração da CLT. Distinção entre as influências ideológico-políticas da Carta del
Lavoroe da CLT.
Feitas essas considerações, vejamos agora algumas pesquisas e depoimentos sobre as origens da legislação trabalhista brasileira.
Os críticos de Getúlio Vargas dizem que sob qualquer compreensão de corporativismo seria possível subsumir o populismo de seu governo. R. M.
Levine diz que esta teria sido a forma encontrada por Vargas para manter o seu poder político controlador e centralizador, sendo que:
Os programas decorrentes da legislação social de Vargas eram essencialmente manipuladores, técnicas enganosas empregadas para canalizar a
energia de grupos emergentes – principalmente das classes médias e trabalhadoras assalariadas e urbanas – para entidades controladas pelo
governo. Os brasileiros acolheram as iniciativas de Vargas por elas prometerem melhores condições de trabalho, garantia de emprego e
oportunidade de habitação subsidiada.[10]
Contudo, sem querermos fazer uma apologia do governo de Getúlio Vargas, temos de referir que tal compreensão não é pacífica. O historiador José
Augusto Ribeiro defende a tese de que Getúlio Vargas, ao criar as primeiras leis trabalhistas, pretendia tão-somente impulsionar o desenvolvimento
social e industrial no país, sendo que suas idéias iniciais tinham profunda identificação com os ideais socialistas. Segundo o autor, o documento
conhecido como “Manifesto de Maio”, no qual Luis Carlos Prestes expõe as razões de sua filiação ao Partido Comunista, é praticamente idêntico ao
programa da plataforma da Aliança Liberal de Getúlio Vargas, que o levou ao seu primeiro governo provisório, no início dos anos 30.[11] Disto
depreendemos que os ideais e a inspiração dos dois revolucionários eram, no mínimo, parecidas.
Ribeiro ainda menciona documentos e discursos que comprovam a participação direta de intelectuais e políticos marxistas, inclusive filiados ao então
incipiente Partido Comunista, na elaboração do texto da CLT, como Joaquim Pimenta, Evaristo de Moraes, Carlos Cavaco, Agripino Nazaré, Jorge
Street, todos assumidamente socialistas.[12]
O autor recorda, ainda, que a Lei dos Sindicatos, de 19 de março de 1931, estabelecia a necessidade de reconhecimento dos sindicatos pelo
Ministério do Trabalho e previa a organização dos sindicatos, tanto de trabalhadores quanto de empregadores, em federações profissionais, regionais
ou nacionais, e em confederações nacionais, o que, na época, tratava-se de um importante avanço dentro de uma seara legislativa quase inexistente
em termos trabalhistas .[13]
O ponto mais importante da Lei mencionada era o estabelecimento do princípio da unicidade sindical: em cada circunscrição territorial havia apenas
um sindicato, de trabalhadores ou de empregadores, de cada categoria profissional ou econômica.[14]Neste ponto, Ribeiro acrescenta que foi aí que
várias tentativas surgiram no sentido de atrelar a CLT à Carta del Lavoro, ainda que aquela se assemelhasse mais à legislação francesa, a qual nada
possuía de fascista.[15]
A nosso sentir, parte da doutrina tem incorrido no equívoco de tomar a parte como um todo. A legislação trabalhista, de fato, apresenta feições
corporativistas, ao pretender a organização da coletividade baseada na associação representativa dos interesses e das atividades profissionais.
Contudo, isso é mais visível no âmbito do direito coletivo.
Mesmo um dos árduos defensores da tese de que o direito do trabalho brasileiro teria sido axio-orientado pelo fascismo, Arion Sayão Romita,
sustenta que os principais institutos do direito individual do trabalho pátrio não foram inspirados na Carta del Lavoro:
A coincidência no tempo, da presença de certos institutos lá e cá não induz necessariamente à formação originária do instituto brasileiro a partir do
direito italiano, como se pode verificar por exemplo nos institutos do repouso semanal e das férias.[16]
O mesmo autor também reconhece que não é por ter sido adotado pelo ordenamento fascista que determinado instituto será pernicioso ao direito
brasileiro. Há normas no ordenamento corporativo perfeitamente ajustadas ou adaptáveis ao regime democrático.[17]
A. S. Romita afirma, ainda, que
No Brasil, entretanto, só foi possível construir os dois estágios inaugurais do corporativismo: a organização sindical e a Justiça do Trabalho, ambos
instituídos em 1937, mercê do disposto nos Decretos-Leis n° 1.402 e 1.237, respectivamente. Ambos estão em vigor até hoje, já que foram
incorporados na CLT, em 1943, esta por seu turno compatível com os preceitos das Constituição de 1988 (exceção feita à autonomia sindical, como
ficou esclarecido anteriormente). As corporações, contudo, não chegaram a ser criadas, embora previstas pela Carta de 1937.[18]
Contudo, é o eminente jurista Arnaldo Sussekind, membro da comissão que elaborou a CLT, ex-Ministro de Estado do Trabalho e ex-Ministro do
Tribunal Superior do Trabalho, quem nos fornece uma das leituras mais lúcidas quanto às origens da CLT.[19]
Sussekind, revela que as principais fontes materiais da CLT foram os pareceres de Oliveira Vianna e de Oscar Saraiva, o 1º Congresso Brasileiro de
Direito Social, as Convenções e Recomendações da OIT e a Encíclica Papal Rerum Novarum. Diz que na elaboração da CLT teriam participado,
ainda, juristas como Evaristo de Moraes, Oliveira Vianna e Oscar Saraiva.
Durante o Primeiro Congresso de Direito Social, em comemoração aos 50 anos da Rerum Novarum, em maio de 1941, Sussekind conta que
apresentou uma tese, aprovada – “A Fraude à Lei no Contrato de Trabalho”, – e que inspirou, na comissão de elaboração da CLT, a redação do
artigo 9º, o qual combate a fraude e a simulação e configura a consagração do princípio da primazia da realidade.
Outro ponto importante esclarecido por Sussekind é o fato de que, quando Getúlio Vargas, após o movimento conhecido como Intentona Comunista,
em 1935, passou a combater os comunistas, estes passaram a criticar aquilo que era o principal feito de Getúlio - a legislação do trabalho - ,
afirmando que a CLT seria cópia da Carta del Lavoro, de inspiração fascista. As críticas, então, começaram a partir de todos os lados, por questões
unicamente políticas.
Contudo, atualmente, seriam os liberais mais conservadores os principais críticos da CLT ao alegarem que a magistratura do trabalho no Brasil tem
poder normativo tal como a “magistratura del lavoro”, prevista na Carta del Lavoro. Nesse ponto, Sussekind esclarece que o Poder Normativo não foi
criação do fascismo italiano. O instituto, na verdade, nasceu em 1904, na Nova Zelândia; depois, foi implantado na Austrália, Turquia, e no México,
em 1917. De resto, diz o jurista, que a CLT não fala em Poder Normativo, mas em “possibilidade de criar normas e condições de trabalho, tal como
um poder arbitral”. O poder normativo nada mais é do que uma forma de arbitragem, como refere Américo Plá Rodrigues, lembra.
Sussekind refere ainda que o outro foco de crítica dos neoliberais é a compulsoriedade da unicidade sindical, a qual está prevista também na Carta
del Lavoro. O jurista rebate a crítica lembrando novamente que este instituto não é criação italiana, sendo que, já em 1917, Lenin havia instituído a
unicidade sindical na extinta União Soviética. E, muito antes dele, havia sido defendida por vários juristas, como Max Leroix, em 1913 e Georges
Scelle. Desta forma, entende que é falacioso afirmar que a CLT é uma cópia da Carta del Lavoro, tendo em vista que a CLT tem 922 artigos e a Carta
possui apenas 11 princípios trabalhistas, a maioria deles de pouca aplicabilidade imediata.
No que pertine ao imposto sindical, é Ângela de Castro Gomes quem explica suas origens. Segundo a historiadora, este visava adotar os sindicatos
de recursos capazes de fazê-los arcar com suas responsabilidades entre as massas trabalhadoras. Ou seja, transformar o sindicato em um real
dispensador de benefícios e, com isso, torná-lo um pólo de atração para os trabalhadores.[20]Nesse sentido, o aumento do número de associados, o
qual era o principal objetivo, acabou tendo um efeito inverso:
Uma vez que os sindicatos recebiam verbas independentemente da quantidade de filiados que reunissem, tornava-se desnecessário e até pouco
interessante aumentar esse número. Esse efeito perverso foi-se afirmando e crescendo com o passar do tempo, tanto por implicações econômicas
stricto sensu, quanto políticas, pois se tratava de reduzir as margens de competição pelo controle da vida sindical. Mas nos anos 40 estes
desdobramentos ainda não eram tão óbvios, embora já se anunciasse com certa clareza.[21]
Gomes explica que o Ministério do Trabalho, já na década de 40, queria sindicatos e líderes convencidos das qualidades do sistema corporativista, o
que não significava necessariamente submissão total. A vivificação do sindicalismo corporativista deveria passar por um esforço eminentemente
pedagógico e não fundamentalmente repressivo.[22] Nesse período, o governo estava se empenhando em difundir a idéia da sindicalização, sendo
que, só no final do Estado Novo, ou seja, passado o período de autoritarismo, começou a se desenvolver a idéia do corporativismo brasileiro. A
Justiça do Trabalho, o imposto sindical e a CLT já haviam sido criados, não havendo falar que tais institutos teriam sido idealizados sob a inspiração
totalitária do Estado Novo. Conforme Gomes, o chamado sindicalismo corporativista não foi implementado durante os anos de autoritarismo do
Estado Novo, mas sim no período de transição do pós-1942, quando a questão da mobilização de apoios sociais tornou-se uma necessidade
inadiável ante a própria transformação do regime. A autora conclui que o aspecto político da implementação do corporativismo no Brasil buscou, na
verdade, uma saída do autoritarismo. O objetivo do governo, nos anos pós-1942, era mobilizar e preparar lideranças e não mais exercer a repressão.
[23]
Nessa época já se falava na necessidade de desvincular o sindicalismo corporativista de outros regimes totalitários:
Nosso regime diferenciava-se dos demais corporativismos (alemão, italiano, austríaco e até português e espanhol), já que adotava uma estrutura
organizativa eminentemente representativa. O corporativismo brasileiro consagrava o direito de a própria produção organizar-se através de
sindicatos, definidos como órgãos coordenados pelo Estado, no exercício de funções delegadas pelo poder público. Esta dimensão oficial era
imprescidível a todo o corporativismo moderno, já que por ela se garantiam as próprias tarefas de representação das corporações profissionais.[24]
Concluímos, mais uma vez, que não é correto associar o corporativismo italiano com o corporativismo brasileiro. Tratam-se de ideologias surgidas em
realidades históricas específicas, cada uma ambicionando chegar a um resultado político e econômico diferente.
3. Considerações finais.
Após o exposto, ainda cabe um último questionamento: é possível afirmar que a suposta influência do movimento fascista italiano sobre a formação
do direito trabalhista brasileiro, caso tenha sido determinante, foi um mal? Entendemos ser inviável responder essa questão sem que se tome como
referência a ideologia e a posição política preponderante em cada momento histórico, em cada governo, em cada indivíduo.
Quando analisados os fundamentos antropológicos e filosóficos do poder público, parece inevitável concluir que à condição humana são inerentes o
altruísmo limitado e o constante conflito de interesses.[25] Diz-se altruísmo limitado por ser o indivíduo, segundo a concepção de estado de natureza
hobbesiano – aquele momento pré-estatal em que nenhum poder público está instituído e os homens são os seus próprios senhores e deuses, sendo
famoso o aforismo “o homem é o lobo do homem”[26] –, coagido pela sua natureza a buscar assegurar o seu próprio bem antes de considerar o bem
comum ou o bem dos outros. E fala-se em conflito de interesses pelo fato de que os indivíduos vivem uma constante e incessante busca de poder e
mais poder (power after power[27]), de modo que, inevitavelmente, os seus interesses irão colidir com os de outro(s) indivíduo(s).
Cabe aqui esta brevíssima retomada do clássico pensamento de Hobbes para demonstrar que a regulação jurídica por parte do Estado é mais do
que uma prerrogativa deste: é uma necessidade imposta pelo indivíduo, após considerar sua própria natureza e perceber que um terceiro imparcial
deve ser instituído para regrar e pacificar as relações sociais.
O direito sindical brasileiro, antes da legislação elaborada durante o governo Vargas, preenchia muito – ainda que não todos, obviamente – as
características do estado de natureza de Hobbes: trabalhadores e empregadores viviam em uma verdadeira “terra de ninguém” onde tenderia sempre
a prevalecer a vontade daquele que fosse o mais forte (via de regra, o empregador). Sem a presença de um terceiro agente, imparcial e soberano, os
interesses de trabalhadores e empregadores tenderiam a viver em constante conflito, pois é da natureza humana o altruísmo limitado. Assim, a partir
de uma leitura antropológica e filosófico-política, a legislação sindical trabalhista de Vargas foi, respectivamente, uma necessidade e obrigação
estabelecida in abstracto quando do contrato social.
No que concerne aos apelos por desregulamentação, a experiência internacional não confirma que elas tenham sido adotadas pela maioria dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Pode-se dizer, na verdade, que as reformas foram exceções. Para a maioria dos países, a
reorganização da regulação pública ocorreu e continua a ocorrer paulatinamente, de modo limitado e de forma descontínua no tempo.[28]
Não queremos desqualificar a necessidade de reorganização da estrutura sindical brasileira. A questão que se coloca é sobre a estratégia a ser
adotada para o encaminhamento do processo. Sugerimos que a estratégia de reorganização, independentemente de qual vier a ser adotada, seja
estabelecida segundo fases, que contemplem mudanças pontuais, mas importantes para a emergência futura de uma conformação da representação
sindical menos fragmentada e aprofunde as relações democráticas das instituições que organizam as relações de trabalho no Brasil, fazendo com
que sejam considerados também fatores provenientes dos âmbitos sociais, políticos, econômicos, culturais e formativo-educacionais no processo de
reforma da nossa organização e regulamentação trabalhista, uma vez que este processo afetará direta e indiretamente todos aqueles âmbitos.
Uma reforma com esse grau de comprometimento social e, inclusive, humanístico, não permitiria que no período de um governo se realizasse a
reforma sindical ou mesmo na legislação trabalhista. O caminho a ser trilhado é, com certeza, mais longo, mas talvez seja aquele que possa de fato
produzir uma realidade, que supere as perversas desigualdades que gravam a sociedade brasileira.
Notas: [1] GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. RJ: Editora FGV, 2005, p. 239. [2] Carocci, Giampiero. Storia del fascismo. Roma:
Newton & Compton, 2003, p. 27. [3] “O corporativismo é uma doutrina que propugna a organização da coletividade baseada na associação
representativa dos interesses e das atividades profissionais (corporações). Propõe, graças à solidariedade orgânica dos interesses concretos e às
fórmulas de colaboração que daí podem derivar, a remoção ou neutralização dos elementos de conflito: a concorrência no plano econômico, a luta de
classes no plano social, as diferenças ideológicas no plano político.” BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Ed. UNB, 1995, p. 287. [4] De
Felice, Renzo. L’Organizzazione dello Stato fascista, 1925-1929. Torino: Einaudi, 1995, pp. 87-102. [5] “La Carta del Lavoro fù approvata dal Gran
Consiglio del Fascismo il 21-22 aprile 1927. Da un punto di vista formale, la Carta del Lavoro non era un atto giuridico, non era cioè una legge dello
Stato. Di fatti l’attuazione dei suoi principi fù rimessa al governo. Essa fù l’atto più importante della politica del regime, quello che lo classificò sotto il
profilo sociale. “Sotto il profilo sociale e in particolare del miglioramento delle condizioni di lavoro, la Carta del Lavoro – scrive De Felice – non
innovava in realtà gran che. A parte alcune enunciazione piuttosto generiche, varie norme in essa contenute già preesistevano legislativamente, altre
erano già allo studio e in clima politico diverso sarebbero quasi certamente già maturate naturalmente, logico portato dello sviluppo sociale di un paesi
in trasformazione abbastanza rapida come era l’Italia, e si può dire che lo spirito di compromesso che presiedette a tutta l’elaborazione della Carta del
Lavoro le rese, semai, meno incisive. Contrariamente a quanto sbandierato dal fascismo, che parlo di ‘punto di partenza per la costruzione della
nuova organizzazione della società italiana’, di ‘Stato di popolo’ e di altre cose del genere nulla vi era di ‘rivoluzionario’ nella Carta del Lavoro”.
(Grifo nosso) De Rosa, Gabriele, I Partiti politici in Italia, Milano, Minerva Italica, 1978, p. 322. [6] Carocci, Giampiero. Op. cit., p. 61. [7] Carocci,
Giampiero. Op. cit., p. 63. [8] Carocci, Giampiero. Op. cit., p. 64. [9] Ibidem. [10] LEVINE, Robert M. Pai dos pobres? O Brasil e a era de Vargas. SP:
Companhia das Letras, 2001, pp.25-26. [11] Ibidem, p. 63. [12] Ibidem, pp. 100-103. [13] Ibidem, p. 91. [14] Ibidem, p. 92. [15] Ibidem. [16] ROMITA,
Arion Sayão. O Fascismo no Direito do Trabalho Brasileiro. SP: LTr, 2001, p.19. [17] Ibidem, p.19. [18] ROMITA, Arion Sayão, Op. cit., p. 108. [19]
Em entrevista concedida à Juíza Magda Biavaschi para subsidiar sua tese de doutoramento em Economia Aplicada na UNICAMP, obtido em 2005,
com o título O Direito do Trabalho no Brasil – 1930/1942: A construção do sujeito de direitos trabalhistas. [20] GOMES, Ângela de Castro. Op. cit., p.
249. [21]
Ibidem. [22] Ibidem, p. 250. [23] Cfr. Ibidem, p. 255. [24] GOMES, Angela de Castro. Op. cit., p. 258. [25] Cfr. TEIXEIRA, Anderson V. Estado de
nações: Hobbes e as relações internacionais no séc. XXI, Porto Alegre, Fabris Editor, 2007, pp. 38-39. [26] HOBBES, Thomas. Do Cidadão. SP:
Martins Fontes, 1998, p. 03. [27] “..um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder (power after power), que se encerra apenas com a morte.”
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 78. [28] BIAVASCHI, Magda; e KREIN, José Dari. (org.). As transformações no
mundo do trabalho e os direitos dos trabalhadores. SP: LTr, 2006, p. 88.

Análise2: O FASCISMO NO BRASIL

O FASCISMO NO BRASIL

Introdução

A proposta deste trabalho é analisar as características da política econômica no Brasil no período de 1930 a 1945, ou seja, após a Revolução de 1930 e principalmente durante o Estado Novo, e verificar se há aspectos da forma fascista de exercício do poder, movimento fortemente presente no cenário político mundial naquele momento.
Começo descrevendo alguns pontos que caracterizam os movimentos fascistas. É bom lembrar que embora se fale sempre no modelo alemão (nazismo), ou no italiano para caracterizar o fascismo, este movimento se apresenta em variadas formas – e por isso uso aqui o termo no plural “fascismos” – , que muitas vezes passam desapercebidas ou são negligenciadas pela historiografia.
Entendo como fascistas os movimentos nacionalistas extremistas, hierarquizados e autoritários, que tinham como aspectos fundamentais o seu caráter antiliberal, antiparlamentar e anti-socialista; o organicismo social; a liderança carismática e a negação das diferenças.

As Formas Fascistas

Nos anos de 1930, os movimentos fascistas haviam se espalhado como uma resposta à crise do liberalismo.
A primeira característica destes movimentos é o nacionalismo, que se apresentava com a busca de elementos (raízes) nacionais e até mesmo raciais (tendo o caso alemão como exemplo extremo) para legitimar o movimento como sendo um defensor de uma suposta coesão nacional contra uma ameaça de desagregação. Neste ponto entra também a questão da negação das diferenças e as ações e discursos voltados para o mercado interno.
O caráter antiliberal se dava através de acusações de que o liberalismo era o que proporcionava a desagregação, já que suas idéias originadas durante o iluminismo propunham a autonomia dos indivíduos e a destruição das instituições tradicionais. Isso, segundo os movimentos fascistas, acabava por desfazer os laços de identidade desses indivíduos, enfraquecendo a noção de ordem e hierarquia.
O caráter antiparlamentar se dava com a crítica as partidos políticos. Com o grande número de partidos, estes teriam apenas interesses de setor e de classe, portanto parciais e não-nacionais. Com isso, o que era ação, tornava-se debate. O poder que é o exercício da ação por excelência, quando passa a ser exercido por esferas através de conchavos, trocas e barganhas, reconhece sua limitação e passa a ser um não-poder, destinado a impotência.
O caráter anti-socialista, ou antimarxista, se dava com a crítica à divisão de classes. Se os fascismos defendiam um Estado onde haja coesão nacional, este Estado não pode ser dividido em classes antagônicas. O marxismo era visto então como um desagregador da ordem nacional, e por isso devia ser combatido.
Passo agora a falar sobre as propostas dos movimentos fascistas.
Em oposição a essa desagregação social causada principalmente pelo liberalismo, os fascistas propunham o Estado orgânico. Ou seja, o funcionamento da sociedade era visto em comparação a de um corpo biológico, onde o Estado é um todo coerente, no qual cada parte tem sua função e trabalha em solidariedade com as outras. Essa harmonia seria baseada nas tradições nacionais. Eliminam-se assim as contradições internas.
Como única forma de alcançar a unidade entre povo e Estado, os fascismos propunham como princípio de liderança o estabelecimento da autoridade de cada líder, assim como a obediência para com cada um, dependendo do nível hierárquico. Com este princípio, o Estado conduzido por um líder tem autoridade ilimitada.

O Cenário Político no Brasil

Getúlio Vargas assume a presidência do Brasil pela primeira vez em novembro de 1930, mesmo tendo perdido as eleições, através de um movimento revolucionário. Vargas era o candidato da Aliança Liberal, formada pela oligarquia de Minas Gerais e os estados que se opunham a São Paulo.
A oligarquia paulista reage acusando o governo Vargas de autoritário e promove a Revolução Constitucionalista de 1932. Apesar de derrotada, a luta paulista não foi em vão. Em 1934, diante do descontentamento, há uma Assembléia Constituinte, na qual se estabelecem alguns direitos e a criação de instituições, tendo como maior exemplo a Justiça Eleitoral.
Essas mudanças ainda não fizeram cessar as manifestações. O cenário político brasileiro está polarizado: de um lado a Aliança Nacional Libertadora (ANL), reunindo as forças de esquerda e liderada por Luís Carlos Prestes; de outro a Ação Integralista Brasileira (AIB), que divulgava os ideais fascistas e era liderada por Plínio Salgado.
Em meio a esse enfrentamento, Getúlio Vargas obtém cada vez mais apoio para conter os extremistas de direita e de esquerda. Em 1935 acontece o levante comunista, promovido pela ANL, que é dominado em cerca de 15 dias. O governo declara estado de emergência no país. Uma onda anticomunista se fortalece, apoiada também pela igreja, o que deu um caráter popular. Há também um forte apoio militar a Vargas. O Estado passa a perseguir seus adversários. Prestes é preso. O abuso de autoridade se dava até com prisões sem acusação.
Em 1937, já próximo das eleições, o Estado com um forte aparato e já praticamente sem resistências a seu mandato, instala um Golpe de Estado, fechando o parlamento e demais instituições, baseando-se num falso documento que anunciava um ataque comunista. Estava instalado o regime ditatorial denominado Estado Novo, e uma nova constituição é anunciada.
A partir daí, uma série de medidas estabeleceram uma nova fase de relação entre o Estado e o sistema político-econômico.
Desenvolveu-se um projeto econômico voltado para o mercado interno, que tinha como base à industrialização. Para isso era necessário alterar as relações de trabalho. Vários direitos trabalhistas foram reconhecidos, como a jornada de 44 horas semanais, férias remuneradas etc., resultando, em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Estas medidas ocorreram devido à crise ocorrida com a Depressão Econômica Mundial (1929-33), onde a burguesia tomou consciência da vulnerabilidade de uma economia voltada para o mercado externo. Há neste período a ruptura política, econômica, social e cultural com o modelo de Estado oligárquico.
Ao mesmo tempo em que reconhecia os direitos sociais dos trabalhadores, o Estado negava os direitos políticos. Os movimentos trabalhistas eram duramente reprimidos e os sindicatos passaram a ser ligados ao governo.
Em 1940, o governo instituiu a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional. Podemos ver com estes dois exemplos que o governo trabalhava voltado para os setores básicos da economia, pretendendo criar condições infra-estruturais para a emancipação econômica.
Essas atitudes atendiam as necessidades do capitalismo naquela época, porém também demonstram a tendência ao controle e disciplina, com uma condenação do liberalismo econ6omico, onde a regulação pretendida seria mais difícil.
“A constituição de 1937, por fim, outorgada pela ditadura instituída com o Estado Novo, sob Getúlio Vargas, manteve as mesmas diretrizes nacionalista e intervencionista (da Constituição de 1934). Foi entretanto, mais explícita, ao enunciar a possibilidade de atuação do poder público em qualquer esfera da economia.” 1

Todas essas ações, que aparecem explicitamente durante o Estado Novo, já vinham sendo colocadas em prática desde 1930. Uso como exemplo dois trechos de discursos proferidos por Getúlio Vargas. O primeiro de 4 de maio de 1931, onde os ideais aparecem em forma de propostas:
“Faz-se mister congregar todas as classes, em uma colaboração efetiva e inteligente. Ao direito cumpre dar expressão e forma a essa aliança capaz de evitar a derrocada final. Tão alevantado propósito será atingido quando encontrarmos, reunidos numa mesma assembléia, plutocratas e proletários, patrões e sindicalistas, todos representantes das corporações de classes, integrados, assim, no organismo político do Estado.” 2

O segundo é de 30 de novembro de 1938, onde a mesma idéia aparece como imposição, em tom autoritário:
“O Estado não compreende, nem permite, antagonismos de classes nem explosões violentas de luta; para esse fim, criou órgãos reguladores, que não só coordenam as relações, como dirimem divergências e conflitos entre as diferentes classes sociais." 3

***

Temos então que embora houvesse no Brasil um movimento de caráter fascista – a AIB – quem aplicou a forma fascista de exercício de poder foi o governo Getúlio Vargas, explicitamente no Estado Novo. Tanto é assim, que a ditadura Vargas foi perdendo força ao mesmo tempo em que os outros movimentos fascistas no mundo eram derrotados.
______________________________
1 – IANNI, Octávio. “Política Econômica Nacionalista (1930-1945)”. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970). 3a. Edição. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira. p. 46.
2 – Idem. p. 35.
3 – Idem. p. 35.

Neste breve ensaio, apesar do pouco material utilizado, mas de rico conteúdo, procure i mostrar alguns aspectos políticos econômicos implantados no Brasil pelo governo Getúlio Vargas comparando-os as formas gerais de dominação dos movimentos fascistas.
Trabalhar este tema e fazer esta afirmação é complicado no caso brasileiro pelo fato de que, no Brasil, ao contrário dos países europeus, tivemos que passar por várias reformas ou transições de ordem cultural, política, econômica etc. ao mesmo tempo, por conta da ânsia de modernização baseada em moldes importados ao mesmo tempo em que se mantinha uma mesma elite. Isso possibilitou que um governo, mesmo num regime autoritário, conseguisse apoio popular através do reconhecimento de direitos básicos.
Outro ponto a se levar em consideração é a variação da forma brasileira do exercício de poder que, apesar das características muito semelhantes aos dos movimentos fascistas do mundo, tinha um governo diplomático, mantendo relações com diversos países de regimes diferentes. Isso vai contra a tendência em pensar os movimentos fascistas como o caso alemão, o que este trabalho também procurou mostrar é que os fascismos podem aparecer de cariadas formas.

Júlio Canuto é estudante de Ciências Sociais






BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
IANNI, Octávio. “Política Econômica Nacionalista (1930-1945)”. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970). 3a. Edição. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira. p. 13-71.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “Os fascismos”. O Século XX – o tempo das certezas – revoluções, fascismos e guerras. REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge e ZENHA, Celeste (Org.). Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira. p. 109-164.