quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Túpac Amaru: a Serpente Resplandecente




9 de novembro de 2007

Revolucionário peruano liderou uma das maiores insurgências indígenas da história da América Latina
Por Vinicius Mansur
Quando os espanhóis chegaram na América, o Império Inca estava no auge, estendendo-se sobre o que hoje chamamos de Peru, Bolívia e Equador, parte da Colômbia e do Chile, indo até o norte da Argentina e abarcando um pedaço da floresta amazônica brasileira. Monumentos religiosos levantados com maior sabedoria do que as pirâmides egípcias, técnicas próprias e avançadas e belas criações artísticas são alguns exemplos do legado inca. Mas o ataque espanhol destruiu as bases desta civilização.
Conseqüências piores do que a violência da guerra imperialista teve a organização da economia mineira para extração de ouro e prata. O deslocamento de grandes contingentes para as minas desarticulou as unidades agrícolas comunitárias, abalando o sistema coletivo de cultivos, e submeteu os índios à servidão extinguindo inúmeras vidas por meio do trabalho árduo e doenças. Enormes cultivos de milho, mandioca, feijão e batata-doce sumiram. Grandes extensões de terras, trabalhadas há anos pelo sistema incaico de irrigação, foram tomadas pelo deserto.
Neste contexto, onde os índios eram “o combustível do sistema produtivo”, como diz o antropólogo Darcy Ribeiro, a esperança de reconquistar a autonomia surgiu na figura do revolucionário peruano José Gabriel Condorcanqui. O cacique mestiço de Surimaná, Tungasuca e Pampamarca era bisneto de Juana Pilco-Huaco, filha do último soberano inca, o Túpac Amaru I, executado pelos espanhóis em 1572, e de quem adotou o nome - que significa "Serpente Resplandecente" em quéchua. A morte de Túpac Amaru I significou o início da invasão espanhola nos Andes, onde a resistência durava quarenta anos.
Túpac Amaru, o segundo, adotou o nome de seu ancestral para simbolizar sua disposição à resistência e para liderar uma das maiores insurgências da América Latina. Em 1780, na província de Tinta, montado em seu cavalo branco, Túpac, junto com um conjunto de rebelados, tomou a praça de Tugasuca. Lá, condenou à forca o representante da realeza espanhola Antonio Juan de Arriga, após ler um documento que denunciava seus abusos cometidos contra os indígenas; e proibiu o trabalho servil nas minas de Potosí, na Bolívia. Poucos dias depois Túpac Amaru expediu um comunicado decretando a liberdade dos escravos e abolindo todos os impostos.
A esta altura os indígenas se juntavam aos milhares e Túpac Amaru mandava emissários por todo Peru para expandir o processo de insurgência. Negros e mestiços também se incorporaram à luta. Ele era um líder revolucionário messiânico que se apresentava como restaurador e legítimo herdeiro da dinastia inca. Porém, a Igreja o repudiou e combateu diretamente a luta revolucionária, dando apoio às tropas dos espanhóis.
Túpac Amaru seguia em marcha pregando seu credo: todos os que morressem nesta guerra ressuscitariam para desfrutar as felicidades e riquezas que haviam sido roubadas pelos invasores. No percurso libertavam escravos e tomavam terras dos latifundiários a serem distribuídas entre as famílias pobres.
Quando seguiam em marcha em direção à Cuzco, os tupamaristas foram fortemente atacados pelas tropas oficiais, que possuíam muito mais armamentos. Os revolucionários mudaram o rumo da caminhada, mas foram vítimas de uma emboscada. Túpac foi vencido na batalha de Checacupe, em 1781, depois de ser traído e capturado por um dos integrantes de sua tropa. Os principais chefes da rebelião foram condenados à pena de morte por enforcamento ou estrangulamento. Túpac Amaru foi preso e levado à Cuzco. Quando lhe foi cobrado os nomes dos cúmplices da rebelião, Túpac respondeu a seu carrasco: “Aqui não há mais cúmplices que tu e eu; tu por opressor, e eu por libertador, merecemos a morte”.
Túpac, sua esposa, seus filhos e seus principais partidários foram torturados na praça de Wacaypata. Cortaram-lhe a língua e tentaram esquartejá-lo, amarrando seus braços e pernas em quatro cavalos. Mas o corpo não se partiu. Ele morreu decapitado na forca. Por representar tamanho perigo ao imperialismo espanhol, sua morte foi amplamente divulgada, e partes de seu corpo foram enviadas à diferentes cidades. Recomendou-se que sua descendência fosse extinta até a quarta geração.
Até hoje não se sabe exatamente como era o rosto do líder revolucionário, mas diversas obras retratam sua história, que ainda perdura e inspira a luta contra o avassalamento dos direitos indígenas em toda a América Latina.

Movimento Revolucionário Túpac Amaru

Movimento Revolucionário Túpac Amaru
O grupo guerrilheiro Túpac Amaru, se define como uma organização político-militar, integrada pela classe operária, pelos explorados e oprimidos do Perú, cuja a ideologia é o Marxismo-Leninismo, tendo como objetivo organizar e dirigir a "Guerra Revolucionária do Povo", para derrotar o Governo legal, estabelecendo um "Poder Popular", que conduza à edificação do Socialismo. O embrião desta organização teve seu início em 23 de novembro de 1976, quando o general do Exército Peruano, Leonidas Rodríguez Figueroa (que se encontrava exilado) funda o Partido Socialista Revolucionário (PSR), agrupando nesta organização, entre outros, ex-colaboradores do governo do general Juan Velasco Alvarado. O PSR participa do processo eleitoral para a Assembléia Constituinte, mas problemas ocorrem perante este acontecimento de "atitude eleitoreira" produzindo um rompimento em seu interior, dando origem ao PSR-ML (Partido Socialista Revolcuionário - Marxista Leninista) com dirigentes da cúpula e incluso três constituintes, organização que logo seria uma das vertentes que dariam origem ao MRTA. O MIR-VR (Movimiento de Izquierda Revolucionario - Voz Rebelde), o MIR -Norte (chamado assim por ter sua base principal em Trujillo) e o MIR-EM (Movimiento de Izquierda Revolucionario - El Militante), surgem em 1973, logo após o rompimento do MIR - Histórico. Em 1977, constituem, juntamente com outros agrupamentos de esquerda, a UDP (Unidade Democrática Popular). Em setembro de 1980, participam da constitução da Izquierda Unida (IU), produzindo-se lutas internas em 1982, recompondo-se entre os anos de 1983 e 1984. Em 1978, o MIR-EM, participa do processo eleitoral para a Assembléia Constituinte, retirando-se para formar com o PSR-ML, o PCP -Maioria, a denominada "Frente Revolucionária de Ação Socialista" (FRAS). Em 01 de março de 1982, essa Unidade adota o nome de "Movimento Revolucionário Túpac Amaru", adotando a sigla "MRTA". A organização se manteve na clandestinidade, iniciando suas primeiras ações em 1984, consistindo em expropriações de bancos e ataques a militares. Em 09 de dezembro de 1986, se constitui uma nova unidade, no evento denominado "I Comitê Central Unitário", entre o MRTA e o MIR-VR, concordando em manter o nome do MRTA, com o qual continuaram as ações revolucionárias. Seu órgão de divulgação clandestino era o impresso entitulado "Venceremos", que em 1987 mudou para "Voz Rebelde" e também a rádio "4 de Noviembro". Ademais, contava com o semanário "Cambio" como meio de difusão aberto e como órgãos de fachada tinham as organizações "Pueblo en Marcha", "UDP", "Bloque Popular Revolucionario" e "Patria Libre". O grupo tornou-se mundialmente famoso com a ocupação da embaixada japonesa em Lima (Dezembro de 1996-Abril de 1997), em que reteram centenas de importantes políticos. Os 14 membros do comando foram mortos pela polícia peruana do presidente Fujimori; todos os políticos retidos foram libertados. Na atualidade o nível de direção, devido à captura de seus principais líderes, não conta com uma estrutura de apoio ou estrutura organizativa (aparato logístico, comunicações, imprensa, etc.) e sua força especial (aparato armado) tem sido desarticulada. Não existindo indicativos da presença do MRTA no âmbito peruano, a provável reorganização está sendo estruturada no estrangeiro (Alemanha), através de seu porta-voz internacional, Isaac Cecilio Velasco Fuerte, que emite através da Internet eventuais pronunciamentos.

Clic aqui: Aos que lutam e aos que choram: Viva a revolução bolivariana!

Para nós do Partido Comunista Marxista Leninista (Brasil), o processo vivido nestes dois anos de governo de Evo Morales é mais uma porta que se abre à liberdade, à igualdade, à justiça reclamada, à independência contida, ao resgate da dignidade usurpada e direitos pisoteados daqueles que com seu sangue irrigaram nossa América e desde a conquista colonial não se entregaram e ao invés de chorar lutaram - como escreveu Jorge Masseti, argentino que ao entrevistar Fidel, Raul e Guevara, ainda em Sierra Maestra, durante a guerrilha de libertação definitiva de Cuba.

Clic aqui: A RESISTÊNCIA DE TÚPAC AMARO







MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO TÚPAC AMARU

O Movimento Revolucionário Túpac Amaru, em castelhano Movimiento Revolucionario Túpac Amaru é um grupo guerrilheiro peruano, fundado em 1984, inspirado em outras guerrilhas de esquerda de países da região.
O grupo guerrilheiro
Túpac Amaru, se define como uma organização político-militar, integrada pela classe operária, pelos explorados e oprimidos do Peru, cuja a ideologia é o Marxismo-Leninismo, tendo como objetivo organizar e dirigir a "Guerra Revolucionária do Povo", para derrotar o Governo legal, estabelecendo um "Poder Popular", que conduza à edificação do Socialismo.
O embrião desta organização teve seu início em 23 de novembro de
1976, quando o general do Exército Peruano, Leonidas Rodríguez Figueroa (que se encontrava exilado) funda o Partido Socialista Revolucionário (PSR), agrupando nesta organização, entre outros, ex-colaboradores do governo do general Juan Velasco Alvarado. O PSR participa do processo eleitoral para a Assembléia Constituinte, mas problemas ocorrem perante este acontecimento de "atitude eleitoreira" produzindo um rompimento em seu interior, dando origem ao PSR-ML (Partido Socialista Revolcuionário - Marxista Leninista) com dirigentes da cúpula e incluso três constituintes, organização que logo seria uma das vertentes que dariam origem ao MRTA.
O MIR-VR (Movimiento de Izquierda Revolucionario - Voz Rebelde), o MIR -Norte (chamado assim por ter sua base principal em Trujillo) e o MIR-EM (Movimiento de Izquierda Revolucionario - El Militante), surgem em
1973, logo após o rompimento do MIR - Histórico. Em 1977, constituem, juntamente com outros agrupamentos de esquerda, a UDP (Unidade Democrática Popular). Em setembro de 1980, participam da constitução da Izquierda Unida (IU), produzindo-se lutas internas em 1982, recompondo-se entre os anos de 1983 e 1984.
Em
1978, o MIR-EM, participa do processo eleitoral para a Assembléia Constituinte, retirando-se para formar com o PSR-ML, o PCP -Maioria, a denominada "Frente Revolucionária de Ação Socialista" (FRAS). Em 1 de março de 1982, essa Unidade adota o nome de "Movimento Revolucionário Túpac Amaru", adotando a sigla "MRTA". A organização se manteve na clandestinidade, iniciando suas primeiras ações em 1984, consistindo em expropriações de bancos e ataques a militares. Em 9 de dezembro de 1986, se constitui uma nova unidade, no evento denominado "I Comitê Central Unitário", entre o MRTA e o MIR-VR, concordando em manter o nome do MRTA, com o qual continuaram as ações revolucionárias.
Seu órgão de divulgação clandestino era o impresso intitulado "Venceremos", que em
1987 mudou para "Voz Rebelde" e também a rádio "4 de Noviembro". Ademais, contava com o semanário "Cambio" como meio de difusão aberto e como órgãos de fachada tinham as organizações "Pueblo en Marcha", "UDP", "Bloque Popular Revolucionario" e "Patria Libre".
O grupo tornou-se mundialmente famoso com a ocupação da embaixada japonesa em Lima (Dezembro de
1996 - Abril de 1997), em que retiveram centenas de importantes políticos. Os 14 membros do comando foram mortos pela polícia peruana do presidente Alberto Fujimori; todos os políticos retidos foram libertados.
Na atualidade o nível de direção, devido à captura de seus principais líderes, não conta com uma estrutura de apoio ou estrutura organizativa (aparato logístico, comunicações, imprensa, etc.) e sua força especial (aparato armado) tem sido desarticulada. Não existindo indicativos da presença do MRTA no âmbito peruano, a provável reorganização está sendo estruturada no estrangeiro (
Alemanha), através de seu porta-voz internacional, Isaac Cecilio Velasco Fuerte, que emite através da Internet eventuais pronunciamentos.

TÚPAC AMARU




A instalação do sistema colonial hispânico na América foi marcada por um processo massivo de eliminação de boa parte das populações indígenas que aqui viviam. No entanto, conforme assinalado pelo poeta chileno Pablo Neruda, a “cruz”, a “espada” e a “fome” não foram suficientes para encerrar as resistências da população indígena frente ao colonizador espanhol. No século XVIII, a infiltração das idéias iluministas e liberais só vieram a potencializar essa relação de conflito entre índios e espanhóis. Ao mesmo tempo, não podemos criar uma idéia absoluta de que toda a população indígena era radicalmente contra o processo de dominação espanhola. Para ampliar a mão-de-obra disponível, muitos colonizadores empreendiam acordos com as lideranças indígenas locais. Os chamados caciques ou curacas, líderes máximos das comunidades indígenas, eram acionados pelos espanhóis para garantir a dominação sobre uma determinada população nativa. Em troca do apoio ao colonizador espanhol, o curaca recebia parte dos impostos arrecadados ou a não obrigação do trabalho compulsório impostos pelos espanhóis. Dessa forma, os colonizadores vislumbravam manter as estruturas da dominação colonial sem a necessidade de empreender uma desgastante luta, que na verdade ia contra os interesses coloniais ao exigir gastos na organização de tropas ou na própria diminuição da mão-de-obra disponível. No entanto, no ano de 1780, um líder curaca chamado José Gabriel Condorcanqui se indispôs aos interesses das elites metropolitanas. Dizendo ser descendente do lendário líder inca Túpac Amaru, conhecido por resistir ao início da dominação espanhola na América, Condorcanqui liderou uma insurreição indígena no Peru. Sendo uma grande exceção entre as populações indígenas da região, Condorcanqui estudou na Universidade de São Marcos (Lima, Peru) e lá teve contato com a história de Túpac Amaru e com ideais do pensamento iluminista. Inspirado por essas idéias, Condorcanqui mudou seu nome para Túpac Amaru II e organizou um movimento emancipacionista que contou com o apoio da elite criolla. A rebelião começou em 1780, com a execução de um dos chefes espanhóis da administração colonial. Em pouco tempo, milhares de mestiços, indígenas, escravos e colonos empobrecidos decidiram não mais obedecer às exigências e tributos da Coroa Espanhola. A popularização dos ideais da rebelião Túpac Amaru começava a representar uma ameaça real aos interesses das elites criollas. Com isso, o movimento acabou se desintegrando e perdendo sua articulação política. Túpac Amaru II foi preso e julgado pelas autoridades metropolitanas. Servindo de exemplo para as demais populações indígenas, Tupac teve a língua cortada e teve seu corpo arrastado por uma tropa de cavalos. Depois do episódio, outras lutas sangrentas resultaram na execução de 80 mil rebeldes.
Túpac Amaru, o filho do sol
No fim do século 18, Túpac Amaru liderou a maior rebelião indígena da América, que incendiou o coração dos Andes e inspirou revolucionários como Bolívar e Che Guevara
por Alessandro Meiguins
O mundo amanheceu ao contrário naquele dia em Tinta, um pequeno povoado no sul do vice-reino do Peru. Acostumada a ser explorada e maltratada pelas tropas do mandachuva local, o espanhol Antonio Arriaga, a população mal conseguia acreditar que era ele quem dava seus últimos suspiros, pendurado pelo pescoço na ponta de uma corda, em plena praça central do vilarejo. Ao seu lado, comandando a execução, estava José Gabriel Túpac Amaru. Vestido para a guerra, com o tradicional ornamento inca em forma de um sol dourado no peito, convocava aos berros índios, mestiços e negros para lutar contra a dominação espanhola. Naquele 4 de novembro de 1780, com o corpo de Arriaga balançando atrás de si, Túpac Amaru, descendente da linhagem imperial dos incas, declarou que não existiam mais impostos e que os escravos estavam livres. “Foi o início de uma rebelião que se espalharia pelos Andes e chegaria até os altiplanos bolivianos”, diz Julio Vera del Carpio, historiador da Casa da Cultura Peruana, em São Paulo. Quase 300 anos depois de os espanhóis desembarcarem na América, o filho do sol estava de volta.
Os espanhóis desembarcaram na América em 1492 ávidos por encontrar riquezas que financiassem seus navios, suas armas e sua nobreza. Quando chegaram ao
Peru, em 1527, e descobriram as minas de prata da região, não perderam tempo. Reuniram um exército sob o comando de Francisco Pizarro e trataram de eliminar todo aquele que pudesse afastá-los de seu objetivo. Por “todo aquele” entenda-se os incas, que habitavam desde as cordilheiras no Peru até os altiplanos bolivianos. Em 1532, os espanhóis iniciaram uma conquista rápida e implacável. Com a vantagem das armas de fogo e do duro aço espanhol, submeteram os guerreiros indígenas e suas lanças de cobre. Pizarro conquistou Cusco, a capital inca, e capturou e executou Atahualpa, seu imperador. Em seguida nomeou um novo ocupante para o trono: Manco Inca Yupanqui. Pouco tempo depois, no entanto, Manco Inca percebeu que estava sendo usado pelos espanhóis e fugiu de Cusco, iniciando uma revolta. A aventura durou pouco: os espanhóis mataram Manco Inca e seus sucessores. O último foco de resistência foi derrotado em 1572, com o enforcamento do derradeiro imperador inca, o primeiro Túpac Amaru (foram vários “Túpacs”). Foi o ponto final na civilização inca na América do Sul, “que ocupou um território maior que o do Império Romano”, diz Antonio Núnez Jiménez, no livro Nuestra América. A partir desse momento, seus mais de 3 milhões de habitantes tinham um novo senhor.
A primeira coisa que os novos donos do pedaço fizeram foi estabelecer a “mita” – o trabalho forçado nas minas de prata e mercúrio. “Os índios eram convocados pelos espanhóis, arrastados a pé através dos vales montanhosos e muitos morriam exauridos no caminho”, diz Carpio. “Quando chegavam, tinham um breve descanso e, um ou dois dias depois, entravam nos estreitos buracos na terra em busca dos metais. Poucos sobreviviam por muito tempo às longas jornadas de trabalho, que chegavam a uma semana inteira dentro das minas, sem direito a alimentos ou descanso.” A Igreja teve papel especial nessa história. Extremamente religiosos, os incas foram levados a crer que o rei da
Espanha substituíra seu imperador no lugar reservado ao representante divino na Terra. Servir ao rei era como trabalhar para o próprio Deus-sol e ao morrer nas minas de prata estavam salvando suas almas do inferno.
Segundo Carpio, nas províncias os corregedores (espécie de prefeitos) tinham toda a liberdade para matar quantos índios fossem necessários para que a extração de prata continuasse a todo vapor. No entanto, em 200 anos de dominação, os espanhóis não eliminaram completamente as lideranças indígenas. Pelo contrário, parte do controle sobre a população era feita com o consentimento e apoio desses líderes – chamados de curacas, descendentes da nobreza inca. Convertidos ao catolicismo, muitos, inclusive, recrutavam membros das tribos para o trabalho forçado nas minas.
Descendente do primeiro Túpac, José Gabriel Túpac Amaru era um dos líderes que discordavam dessa prática. Curaca de Pampamarca, Tungasuca e Surimana, morava na província de Tinta, a 100 quilômetros de Cusco. Túpac herdou de sua família 70 pares de mulas, com as quais transportava mercadorias através dos
Andes. No meio daquela região montanhosa, ter um par de mulas era como ter um caminhão. Túpac era próspero, respeitado e bem relacionado. Insatisfeito com o que via na região, defendia junto às autoridades espanholas uma reforma no sistema colonial. Aos tribunais de Lima encaminhara um pedido oficial em que pediu a eliminação do cargo do corregedor, substituindo-o por prefeitos eleitos nas províncias e povoados, e o fim da mita. Nada conseguiu. Aos poucos, passou a espalhar a idéia de rebelião. Em uma carta aberta à população, dizia que os corregedores faziam do sangue dos peruanos “sustento para sua vaidade”. Conseguiu a simpatia e apoio de alguns curacas, que se dispuseram a lutar.
Tinta foi apenas o primeiro alvo da revolta. Após matar
Arriaga, Túpac e seus homens percorreram povoados e vilas da região, prendendo e enforcando as autoridades espanholas que encontravam. Ficavam com seu dinheiro e armas e distribuíam seus bens entre a população. Túpac nomeou chefes locais e conseguiu que milhares de pessoas aderissem à sua tropa. Aterrorizado com a rapidez com que a revolta se espalhava, o bispo de Cusco, Juan Manuel de Moscoso y Peralta, enviou 1 500 soldados para eliminar o rebelde. Em 18 de novembro, no povoado de Sangarara, entre Cusco e Tinta, Túpac enfrentou o exército do rei com 6 mil homens sob seu comando. Em menos de um dia o inca cercou os soldados do bispo. Depois de intensos combates, o último grupo de espanhóis se refugiou na igreja do povoado, esperando que o indígena poupasse o local sagrado. Túpac não quis saber: invadiu a igreja e matou todos. Em represália, Moscoso y Peralta excomungou Túpac Amaru e seus seguidores. Essa era a maior desonra que alguém poderia sofrer na época. Tanto para católicos quanto para indígenas, a excomunhão significava que a pessoa estava distante de Deus. O efeito da punição logo se fez sentir. “Por conta disso, numerosos adeptos da causa tupamarista abandonaram suas fileiras ou deixaram de nelas ingressar”, afirma Kátia Baggio, historiadora da Universidade Federal de Minas Gerais.
Túpac se preparou para invadir Cusco. A estratégia era tomar Puno, que ficava entre Cusco e Potosí, para depois avançar sobre a capital. No entanto, após os eventos em Sangarara, o vice-rei do
Peru, Agustín de Jáuregui, resolveu pedir auxílio à Espanha. Se as tropas do rei Carlos III chegassem ao Peru, a rebelião não teria chance, por isso o inca adiantou seus planos. Cusco era uma verdadeira fortaleza. Cercada de grandes muralhas de pedra, a antiga capital do império inca tinha uma rígida planificação urbana em forma quadriculada, cujo desenho lembrava a forma de um puma. As tropas da cidade partiram em direção aos rebeldes, para conter sua chegada, enquanto mais soldados preparavam a defesa. Muitos curacas católicos, junto com suas tribos, se mostraram fiéis à Igreja e ao rei da Espanha, e ajudaram os europeus a montar uma estratégia para conter os rebeldes. O clima de agitação e expectativa diante da iminente invasão levou a cidade ao caos.
Em 28 de dezembro de 1780, Túpac chegou ao limite norte de Cusco, uma região chamada Cerro Picchu. Seguiam com ele mais de 40 mil homens, embora poucos estivessem armados e preparados para a luta. Seus planos contavam com um ataque vindo do nordeste, por Diego Cristóbal, irmão de Túpac, e com a adesão da população indígena local. Em 2 de janeiro de 1781 os combates começaram. Por dias as tropas do vice-rei, cerca de 12 mil homens, conseguiram manter os invasores afastados da cidade, tempo suficiente para receberem um reforço de 8 mil homens, seis canhões e 3 mil fuzis vindos de Lima. Os rebeldes, ao contrário, viram seus planos falharem. Diego Cristóbal não conseguiu ultrapassar as defesas espanholas do rio Urubamba e recuou. O policiamento ostensivo nas ruas de Cusco reprimiu qualquer tentativa local de sublevação. Em 8 de janeiro, Túpac fez uma tentativa desesperada e atacou a cidade com força total. A violenta batalha durou cerca de sete horas, mas as defesas se mantiveram praticamente intactas e os realistas tiveram poucas baixas.
Túpac desistiu do cerco e se aquartelou em Tinta. Em março, com o reforço de 17 mil soldados espanhóis, as tropas do vice-rei resolveram sufocar de vez a
rebelião. Em 5 de abril, os espanhóis infligiram uma gigantesca derrota às tropas tupamaristas. Depois de um dia de combates, ofereceram perdão àqueles que abandonassem Túpac e se unissem a eles. No dia seguinte, cercaram o exército rebelde e conseguiram outra grande vitória, graças a informações entregues por traidores do exército inca. Os rebeldes se dispersaram e fugiram da cidade, mas Túpac e seus colaboradores mais próximos foram presos em um emboscada preparada por seus próprios partidários. Apenas uma pequena parte do exército rebelde conseguiu se refugiar nas montanhas. Na mesma semana, para comemorar sua vitória, os espanhóis enforcaram 70 curacas rebeldes na mesma praça onde o corregedor Arriaga perecera.
Túpac e sua família foram levados a Cusco, onde foram torturados para que dessem informações sobre os demais líderes rebeldes, como Diego Cristóbal, que conseguira fugir. “Diz a tradição que, sem ter como se comunicar com seus companheiros, Túpac escreveu uma carta com seu próprio sangue, em um pedaço de suas vestes, convocando todos para a luta, mas a mensagem acabou interceptada pelos espanhóis”, diz o antropólogo Rodrigo Montoya, da Universidade San Marcos, em Lima. Após 35 dias de torturas, em 18 de maio de 1871 Tupac foi levado para receber sua sentença em praça pública, no centro de Cusco: esquartejamento. Antes que a pena fosse aplicada, no entanto, Túpac assistiu ao enforcamento de seus homens rebeldes. Depois, dois filhos seus, Hipólito e Fernando, junto com Micaela, sua mulher, tiveram suas línguas cortadas, antes de serem executados. Enfim chegou sua vez. “Seus braços e pernas foram atados a quatro cavalos, que foram incitados a correrem cada um para uma direção”, diz Carpio. “Depois do insucesso de várias tentativas, os espanhóis desistiram do esquartejamento e cortaram a cabeça do inca.”
A
rebelião no Alto Peru, no entanto, não acabou aí. Prosseguiu em duas frentes. Sob a liderança de Túpac Catari, cujo verdadeiro nome era Julián Apasa, e que adotou o apelido em alusão a Túpac Amaru e Tomás Catari, outro líder revolucionário morto pelos espanhóis na Bolívia, a revolta chegou a La Paz. Catari cercou a cidade em março de 1781, com mais de 10 mil homens, e fez um violento ataque em que mais de 10 mil morreram – sendo 8 mil indígenas. Após 109 dias de sítio as tropas realistas furaram o cerco. Catari voltou a atacar em agosto, mas foi derrotado e preso. Em 31 de novembro de 1781 foi executado.
A segunda onda de resistência se deu na região montanhosa em torno de Cusco, onde Diego Cristóbal continuou comandando o então reduzido
exército de Túpac. Em maio de 1781, ele chegou a sitiar Puno, mas não a invadiu. Focos de conflito continuaram até 1782, quando Diego Cristóbal assinou um tratado de paz com os espanhóis. Apesar disso, depois de uma ameaça de levante em 1783, Diego e 120 supostos envolvidos acabaram executados.
Nos anos que se seguiram, os colonizadores exerceram uma forte repressão à cultura incaica e qualquer ornamento da nobreza inca foi proibido. “Falar o nome de Túpac Amaru em público virou um insulto aos espanhóis, um ato de rebeldia. A perseguição, no entanto, só aumentou o mito que se criou em torno dele e fez com que seus lendários feitos influenciassem gerações de revolucionários americanos, de
Bolívar a Che Guevara”, diz Montoya. O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), em um verso de 1970, recordou Túpac “Como um sol vencido/ uma luz desaparecida.../ Túpac germina na terra americana”.

O cerco a cusco
As forças de Túpac Amaru enfrentaram os espanhóis no local chamado de "cabeça do puma"
1. Chegada
Em 28 de dezembro,Túpac acampa com 40 mil homens ao nordeste de Cerro Picchu
2. Cerco
As tropas de Túpac se posicionam ao norte. É dia 2 de janeiro de 1781
3. 1º ataque
Túpac ataca pela Quebrada de Cayra, mas 12 mil soldados o detêm
4. 2º ataque
A segunda tentativa de conquista da cidade foi elo Cerro Pukin, ao sul
5. 3º ataqueTúpac luta durante sete horas contra os próprios índios e retira seu exército

Todos os Túpacs
O ideal de uma América unida contra os invasores inspirou até cantores de rap
O PRIMEIRO TÚPAC
Após a queda de Atahualpa e de Cusco, outros líderes incas se fizeram imperadores e resistiram por 40 anos à dominação espanhola. Túpac Amaru foi o último deles. Em 1572, após um massacre de mensageiros do vice-rei do
Peru, mortos por homens de Túpac, os espanhóis iniciaram uma caçada ao imperador. Uma força de 250 homens partiu em direção a Vilcabamba, cidade de Túpac, destruindo altares e fortalezas incas que encontraram no caminho. Em Vilcabamba, incendiaram a cidade e prenderam seu líder, para depois executá-lo em Cusco, no mesmo local onde seu descendente, José Gabriel Túpac Amaru, seria executado mais de 200 anos depois.

MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO TÚPAC AMARU – MRTA
Fundado em 1984, a organização peruana começou suas atividades de guerrilha em 1986. Contra o governo de Alan García, o MRTA promoveu seqüestros, assassinatos e atentados a bomba nas regiões de San Martín e Juanji. Em dezembro de 1996, 14 membros invadiram a residência do embaixador japonês em Lima, fazendo centenas de reféns por quase quatro meses. Em abril do ano seguinte, tropas militares tomaram a residência, libertaram os reféns e mataram todos os terroristas.

OS TUPAMAROS
O grupo surgiu em 1968 e atuou com bastante impacto na cena política uruguaia até 1972, quando inúmeras ações do governo ditatorial militar exterminaram muitos de seus integrantes. O grupo Inspirou inúmeras guerrilhas na Europa. No filme Estado de Sítio (1972), o cineasta grego Costa-Gavras mostrou a ação mais famosa dos tupamaros, o seqüestro e morte do agente da CIA Dan Mitrione, que treinou torturadores durante a ditadura no Uruguai.

TUPAC AMARU SHAKUR (“2PAC”)
Rapper americano nascido no Bronx, bairro de Nova York, nos Estados Unidos, em junho de 1971. Tupac Amaru Shakur teve uma infância difícil morando em abrigos e cortiços. Seu pai, com quem nunca teve contato, era ligado aos Panteras Negras – grupo político de afirmação dos negros americanos. Aos 15 anos, vivendo em Baltimore, começou a compor. Aos 20 anos, participava de guangues e já havia passado oito meses na prisão. Em 1990 lançou seu primeiro disco e em 1992 estreou em carreira solo com o álbum 2Pacalypse Now. Suas letras tinham um tom político desafiador. Como em “Panther Power”, do álbum The Lost Tapes, em que diz:
"O sonho americano não foi feito para mim/ Lady Liberty é uma hipócrita, ela mentiu para mim/Me prometeu liberdade, educação, igualdade/ Não me deu nada além de escravidão/ Tempo de mudar o governo, agora é o poder da Pantera".Shakur foi assassinado em 1997, baleado diversas vezes no peito depois de uma discussão.


Saiba mais
Livros
La Rebelión de Túpac Amaru, Boleslao Lewin, Instituto Cubano del Libro, 1972 - Maior análise sobre Túpac Amaru, o livro esmiúça o papel dos participantes dos eventos revolucionários
Túpac Amaru y sus Compañeros, Juan Jose Vega, Municipalidad del Qosqo, 1995 - Mostra o cenário da vida de Túpac e como era o dia-a-dia na cidade de Cusco
A Rebelião de Tupac Amaru, Kátia Gerab e Maria Angélica Campos Resende, Brasiliense, 1987 - Um panorama detalhado da revolução incaNuestra América, Antonio Núñez Jiménez, Editorial Pueblo Y Educación, 1990 - Conta, com riqueza de detalhes, a história geral da América Latina
Túpac Amaru, o filho do sol
No fim do século 18, Túpac Amaru liderou a maior rebelião indígena da América, que incendiou o coração dos Andes e inspirou revolucionários como Bolívar e Che Guevara
por Alessandro Meiguins
O mundo amanheceu ao contrário naquele dia em Tinta, um pequeno povoado no sul do vice-reino do Peru. Acostumada a ser explorada e maltratada pelas tropas do mandachuva local, o espanhol Antonio Arriaga, a população mal conseguia acreditar que era ele quem dava seus últimos suspiros, pendurado pelo pescoço na ponta de uma corda, em plena praça central do vilarejo. Ao seu lado, comandando a execução, estava José Gabriel Túpac Amaru. Vestido para a guerra, com o tradicional ornamento inca em forma de um sol dourado no peito, convocava aos berros índios, mestiços e negros para lutar contra a dominação espanhola. Naquele 4 de novembro de 1780, com o corpo de Arriaga balançando atrás de si, Túpac Amaru, descendente da linhagem imperial dos incas, declarou que não existiam mais impostos e que os escravos estavam livres. “Foi o início de uma rebelião que se espalharia pelos Andes e chegaria até os altiplanos bolivianos”, diz Julio Vera del Carpio, historiador da Casa da Cultura Peruana, em São Paulo. Quase 300 anos depois de os espanhóis desembarcarem na América, o filho do sol estava de volta.
Os espanhóis desembarcaram na América em 1492 ávidos por encontrar riquezas que financiassem seus navios, suas armas e sua nobreza. Quando chegaram ao
Peru, em 1527, e descobriram as minas de prata da região, não perderam tempo. Reuniram um exército sob o comando de Francisco Pizarro e trataram de eliminar todo aquele que pudesse afastá-los de seu objetivo. Por “todo aquele” entenda-se os incas, que habitavam desde as cordilheiras no Peru até os altiplanos bolivianos. Em 1532, os espanhóis iniciaram uma conquista rápida e implacável. Com a vantagem das armas de fogo e do duro aço espanhol, submeteram os guerreiros indígenas e suas lanças de cobre. Pizarro conquistou Cusco, a capital inca, e capturou e executou Atahualpa, seu imperador. Em seguida nomeou um novo ocupante para o trono: Manco Inca Yupanqui. Pouco tempo depois, no entanto, Manco Inca percebeu que estava sendo usado pelos espanhóis e fugiu de Cusco, iniciando uma revolta. A aventura durou pouco: os espanhóis mataram Manco Inca e seus sucessores. O último foco de resistência foi derrotado em 1572, com o enforcamento do derradeiro imperador inca, o primeiro Túpac Amaru (foram vários “Túpacs”). Foi o ponto final na civilização inca na América do Sul, “que ocupou um território maior que o do Império Romano”, diz Antonio Núnez Jiménez, no livro Nuestra América. A partir desse momento, seus mais de 3 milhões de habitantes tinham um novo senhor.
A primeira coisa que os novos donos do pedaço fizeram foi estabelecer a “mita” – o trabalho forçado nas minas de prata e mercúrio. “Os índios eram convocados pelos espanhóis, arrastados a pé através dos vales montanhosos e muitos morriam exauridos no caminho”, diz Carpio. “Quando chegavam, tinham um breve descanso e, um ou dois dias depois, entravam nos estreitos buracos na terra em busca dos metais. Poucos sobreviviam por muito tempo às longas jornadas de trabalho, que chegavam a uma semana inteira dentro das minas, sem direito a alimentos ou descanso.” A Igreja teve papel especial nessa história. Extremamente religiosos, os incas foram levados a crer que o rei da
Espanha substituíra seu imperador no lugar reservado ao representante divino na Terra. Servir ao rei era como trabalhar para o próprio Deus-sol e ao morrer nas minas de prata estavam salvando suas almas do inferno.
Segundo Carpio, nas províncias os corregedores (espécie de prefeitos) tinham toda a liberdade para matar quantos índios fossem necessários para que a extração de prata continuasse a todo vapor. No entanto, em 200 anos de dominação, os espanhóis não eliminaram completamente as lideranças indígenas. Pelo contrário, parte do controle sobre a população era feita com o consentimento e apoio desses líderes – chamados de curacas, descendentes da nobreza inca. Convertidos ao catolicismo, muitos, inclusive, recrutavam membros das tribos para o trabalho forçado nas minas.
Descendente do primeiro Túpac, José Gabriel Túpac Amaru era um dos líderes que discordavam dessa prática. Curaca de Pampamarca, Tungasuca e Surimana, morava na província de Tinta, a 100 quilômetros de Cusco. Túpac herdou de sua família 70 pares de mulas, com as quais transportava mercadorias através dos
Andes. No meio daquela região montanhosa, ter um par de mulas era como ter um caminhão. Túpac era próspero, respeitado e bem relacionado. Insatisfeito com o que via na região, defendia junto às autoridades espanholas uma reforma no sistema colonial. Aos tribunais de Lima encaminhara um pedido oficial em que pediu a eliminação do cargo do corregedor, substituindo-o por prefeitos eleitos nas províncias e povoados, e o fim da mita. Nada conseguiu. Aos poucos, passou a espalhar a idéia de rebelião. Em uma carta aberta à população, dizia que os corregedores faziam do sangue dos peruanos “sustento para sua vaidade”. Conseguiu a simpatia e apoio de alguns curacas, que se dispuseram a lutar.
Tinta foi apenas o primeiro alvo da revolta. Após matar
Arriaga, Túpac e seus homens percorreram povoados e vilas da região, prendendo e enforcando as autoridades espanholas que encontravam. Ficavam com seu dinheiro e armas e distribuíam seus bens entre a população. Túpac nomeou chefes locais e conseguiu que milhares de pessoas aderissem à sua tropa. Aterrorizado com a rapidez com que a revolta se espalhava, o bispo de Cusco, Juan Manuel de Moscoso y Peralta, enviou 1 500 soldados para eliminar o rebelde. Em 18 de novembro, no povoado de Sangarara, entre Cusco e Tinta, Túpac enfrentou o exército do rei com 6 mil homens sob seu comando. Em menos de um dia o inca cercou os soldados do bispo. Depois de intensos combates, o último grupo de espanhóis se refugiou na igreja do povoado, esperando que o indígena poupasse o local sagrado. Túpac não quis saber: invadiu a igreja e matou todos. Em represália, Moscoso y Peralta excomungou Túpac Amaru e seus seguidores. Essa era a maior desonra que alguém poderia sofrer na época. Tanto para católicos quanto para indígenas, a excomunhão significava que a pessoa estava distante de Deus. O efeito da punição logo se fez sentir. “Por conta disso, numerosos adeptos da causa tupamarista abandonaram suas fileiras ou deixaram de nelas ingressar”, afirma Kátia Baggio, historiadora da Universidade Federal de Minas Gerais.
Túpac se preparou para invadir Cusco. A estratégia era tomar Puno, que ficava entre Cusco e Potosí, para depois avançar sobre a capital. No entanto, após os eventos em Sangarara, o vice-rei do
Peru, Agustín de Jáuregui, resolveu pedir auxílio à Espanha. Se as tropas do rei Carlos III chegassem ao Peru, a rebelião não teria chance, por isso o inca adiantou seus planos. Cusco era uma verdadeira fortaleza. Cercada de grandes muralhas de pedra, a antiga capital do império inca tinha uma rígida planificação urbana em forma quadriculada, cujo desenho lembrava a forma de um puma. As tropas da cidade partiram em direção aos rebeldes, para conter sua chegada, enquanto mais soldados preparavam a defesa. Muitos curacas católicos, junto com suas tribos, se mostraram fiéis à Igreja e ao rei da Espanha, e ajudaram os europeus a montar uma estratégia para conter os rebeldes. O clima de agitação e expectativa diante da iminente invasão levou a cidade ao caos.
Em 28 de dezembro de 1780, Túpac chegou ao limite norte de Cusco, uma região chamada Cerro Picchu. Seguiam com ele mais de 40 mil homens, embora poucos estivessem armados e preparados para a luta. Seus planos contavam com um ataque vindo do nordeste, por Diego Cristóbal, irmão de Túpac, e com a adesão da população indígena local. Em 2 de janeiro de 1781 os combates começaram. Por dias as tropas do vice-rei, cerca de 12 mil homens, conseguiram manter os invasores afastados da cidade, tempo suficiente para receberem um reforço de 8 mil homens, seis canhões e 3 mil fuzis vindos de Lima. Os rebeldes, ao contrário, viram seus planos falharem. Diego Cristóbal não conseguiu ultrapassar as defesas espanholas do rio Urubamba e recuou. O policiamento ostensivo nas ruas de Cusco reprimiu qualquer tentativa local de sublevação. Em 8 de janeiro, Túpac fez uma tentativa desesperada e atacou a cidade com força total. A violenta batalha durou cerca de sete horas, mas as defesas se mantiveram praticamente intactas e os realistas tiveram poucas baixas.
Túpac desistiu do cerco e se aquartelou em Tinta. Em março, com o reforço de 17 mil soldados espanhóis, as tropas do vice-rei resolveram sufocar de vez a
rebelião. Em 5 de abril, os espanhóis infligiram uma gigantesca derrota às tropas tupamaristas. Depois de um dia de combates, ofereceram perdão àqueles que abandonassem Túpac e se unissem a eles. No dia seguinte, cercaram o exército rebelde e conseguiram outra grande vitória, graças a informações entregues por traidores do exército inca. Os rebeldes se dispersaram e fugiram da cidade, mas Túpac e seus colaboradores mais próximos foram presos em um emboscada preparada por seus próprios partidários. Apenas uma pequena parte do exército rebelde conseguiu se refugiar nas montanhas. Na mesma semana, para comemorar sua vitória, os espanhóis enforcaram 70 curacas rebeldes na mesma praça onde o corregedor Arriaga perecera.
Túpac e sua família foram levados a Cusco, onde foram torturados para que dessem informações sobre os demais líderes rebeldes, como Diego Cristóbal, que conseguira fugir. “Diz a tradição que, sem ter como se comunicar com seus companheiros, Túpac escreveu uma carta com seu próprio sangue, em um pedaço de suas vestes, convocando todos para a luta, mas a mensagem acabou interceptada pelos espanhóis”, diz o antropólogo Rodrigo Montoya, da Universidade San Marcos, em Lima. Após 35 dias de torturas, em 18 de maio de 1871 Tupac foi levado para receber sua sentença em praça pública, no centro de Cusco: esquartejamento. Antes que a pena fosse aplicada, no entanto, Túpac assistiu ao enforcamento de seus homens rebeldes. Depois, dois filhos seus, Hipólito e Fernando, junto com Micaela, sua mulher, tiveram suas línguas cortadas, antes de serem executados. Enfim chegou sua vez. “Seus braços e pernas foram atados a quatro cavalos, que foram incitados a correrem cada um para uma direção”, diz Carpio. “Depois do insucesso de várias tentativas, os espanhóis desistiram do esquartejamento e cortaram a cabeça do inca.”
A
rebelião no Alto Peru, no entanto, não acabou aí. Prosseguiu em duas frentes. Sob a liderança de Túpac Catari, cujo verdadeiro nome era Julián Apasa, e que adotou o apelido em alusão a Túpac Amaru e Tomás Catari, outro líder revolucionário morto pelos espanhóis na Bolívia, a revolta chegou a La Paz. Catari cercou a cidade em março de 1781, com mais de 10 mil homens, e fez um violento ataque em que mais de 10 mil morreram – sendo 8 mil indígenas. Após 109 dias de sítio as tropas realistas furaram o cerco. Catari voltou a atacar em agosto, mas foi derrotado e preso. Em 31 de novembro de 1781 foi executado.
A segunda onda de resistência se deu na região montanhosa em torno de Cusco, onde Diego Cristóbal continuou comandando o então reduzido
exército de Túpac. Em maio de 1781, ele chegou a sitiar Puno, mas não a invadiu. Focos de conflito continuaram até 1782, quando Diego Cristóbal assinou um tratado de paz com os espanhóis. Apesar disso, depois de uma ameaça de levante em 1783, Diego e 120 supostos envolvidos acabaram executados.
Nos anos que se seguiram, os colonizadores exerceram uma forte repressão à cultura incaica e qualquer ornamento da nobreza inca foi proibido. “Falar o nome de Túpac Amaru em público virou um insulto aos espanhóis, um ato de rebeldia. A perseguição, no entanto, só aumentou o mito que se criou em torno dele e fez com que seus lendários feitos influenciassem gerações de revolucionários americanos, de
Bolívar a Che Guevara”, diz Montoya. O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), em um verso de 1970, recordou Túpac “Como um sol vencido/ uma luz desaparecida.../ Túpac germina na terra americana”.

O cerco a cusco
As forças de Túpac Amaruenfrentaram os espanhóis no localchamado de "cabeça do puma"
1. Chegada
Em 28 de dezembro,Túpac acampa com 40 mil homens ao nordeste de Cerro Picchu
2. Cerco
As tropas de Túpac se posicionam ao norte. É dia 2 de janeiro de 1781
3. 1º ataque
Túpac ataca pela Quebrada de Cayra, mas 12 mil soldados o detêm
4. 2º ataque
A segunda tentativa de conquista da cidade foi elo Cerro Pukin, ao sul
5. 3º ataqueTúpac luta durante sete horas contra os próprios índios e retira seu exército

Todos os Túpacs
O ideal de uma Américaunida contra os invasores inspirou até cantores de rap
O PRIMEIRO TÚPAC
Após a queda de Atahualpa e de Cusco, outros líderes incas se fizeram imperadores e resistiram por 40 anos à dominação espanhola. Túpac Amaru foi o último deles. Em 1572, após um massacre de mensageiros do vice-rei do
Peru, mortos por homens de Túpac, os espanhóis iniciaram uma caçada ao imperador. Uma força de 250 homens partiu em direção a Vilcabamba, cidade de Túpac, destruindo altares e fortalezas incas que encontraram no caminho. Em Vilcabamba, incendiaram a cidade e prenderam seu líder, para depois executá-lo em Cusco, no mesmo local onde seu descendente, José Gabriel Túpac Amaru, seria executado mais de 200 anos depois.
MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO TÚPAC AMARU – MRTA
Fundado em 1984, a organização peruana começou suas atividades de guerrilha em 1986. Contra o governo de Alan García, o MRTA promoveu seqüestros, assassinatos e atentados a bomba nas regiões de San Martín e Juanji. Em dezembro de 1996, 14 membros invadiram a residência do embaixador japonês em Lima, fazendo centenas de reféns por quase quatro meses. Em abril do ano seguinte, tropas militares tomaram a residência, libertaram os reféns e mataram todos os terroristas.
OS TUPAMAROS
O grupo surgiu em 1968 e atuou com bastante impacto na cena política uruguaia até 1972, quando inúmeras ações do governo ditatorial militar exterminaram muitos de seus integrantes. O grupo Inspirou inúmeras guerrilhas na Europa. No filme Estado de Sítio (1972), o cineasta grego Costa-Gavras mostrou a ação mais famosa dos tupamaros, o seqüestro e morte do agente da CIA Dan Mitrione, que treinou torturadores durante a ditadura no Uruguai.
TUPAC AMARU SHAKUR (“2PAC”)
Rapper americano nascido no Bronx, bairro de Nova York, nos Estados Unidos, em junho de 1971. Tupac Amaru Shakur teve uma infância difícil morando em abrigos e cortiços. Seu pai, com quem nunca teve contato, era ligado aos Panteras Negras – grupo político de afirmação dos negros americanos. Aos 15 anos, vivendo em Baltimore, começou a compor. Aos 20 anos, participava de guangues e já havia passado oito meses na prisão. Em 1990 lançou seu primeiro disco e em 1992 estreou em carreira solo com o álbum 2Pacalypse Now. Suas letras tinham um tom político desafiador. Como em “Panther Power”, do álbum The Lost Tapes, em que diz:
"O sonho americano não foi feito para mim/ Lady Liberty é uma hipócrita, ela mentiu para mim/Me prometeu liberdade, educação, igualdade/ Não me deu nada além de escravidão/ Tempo de mudar o governo, agora é o poder da Pantera".Shakur foi assassinado em 1997, baleado diversas vezes no peito depois de uma discussão.


Saiba mais
Livros
La Rebelión de Túpac Amaru, Boleslao Lewin, Instituto Cubano del Libro, 1972 - Maior análise sobre Túpac Amaru, o livro esmiúça o papel dos participantes dos eventos revolucionários
Túpac Amaru y sus Compañeros, Juan Jose Vega, Municipalidad del Qosqo, 1995 - Mostra o cenário da vida de Túpac e como era o dia-a-dia na cidade de Cusco
A Rebelião de Tupac Amaru, Kátia Gerab e Maria Angélica Campos Resende, Brasiliense, 1987 - Um panorama detalhado da revolução incaNuestra América, Antonio Núñez Jiménez, Editorial Pueblo Y Educación, 1990 - Conta, com riqueza de detalhes, a história geral da América Latina

As razões da guerra civil: necessidade, crença e ganância

Revista de Sociologia e Política
Print version ISSN 0104-4478
Rev. Sociol. Polit. no.27 Curitiba Nov. 2006
doi: 10.1590/S0104-44782006000200015
RESENHAS

As razões da guerra civil: necessidade, crença e ganância


Gabriel Cepaluni; Filipe Mendonça


ARNSON, Cynthia J. & ZARTMAN, I. William (eds.). 2005. Rethinking the Economics of War : The Intersection of Need, Creed, and Greed. Baltimore : The Johns Hopkins University.
Quais as causas da guerra? Esta é uma questão clássica das relações internacionais. O final da guerra fria trouxe consigo uma nova ordem internacional. Com ela, tornaram-se necessárias readequações teóricas profundas para compreender as novas dinâmicas globais.
Os "novos conflitos" são bastante diferentes dos tradicionais. Na verdade, argumenta-se que os "antigos conflitos" entre Estados soberanos são improváveis por pelo menos três motivos. Primeiro, a invenção de armas nucleares tornou-os irracionais. Uma pequena quantidade de armamento nuclear poderia destruir nações inteiras e prejudicar grande parte do planeta por causa dos efeitos da radiação. Em segundo lugar, o amplo acesso à informação no Ocidente tornou mais difícil a ascensão de líderes como Hitler e Mussolini, capazes de mobilizar todo um país em prol de anseios expansionistas. Por último, não há mais os grandes contenciosos econômicos capazes de provocar guerras entre Estados. As instituições internacionais e seus fóruns de solução de controvérsias criaram mecanismos para solução de conflitos por meio da diplomacia, da negociação, sendo desnecessário, por exemplo, o lançamento de mísseis para reduzir taxas de importação.
Dentro desse novo cenário, o principal objetivo do livro Rethinking the Economics of War: The Intersection of Need, Creed, and Greed é refletir sobre as razões dos conflitos civis que sobreviveram à guerra fria. Nesse sentido, três termos são amplamente utilizados pelos autores da coletânea: "necessidade", "crença" e "ganância". A "necessidade" origina-se do sentimento de injustiça causado pela repressão política e pela privação econômica. A "crença" pode significar a fé "cega" ou um sentimento de identidade de um grupo. Já a "ganância" refere-se ao desejo de se apropriar de recursos públicos. Assim, a discriminação baseada nas crenças e nos sentimentos de identidade junta-se às ambições pessoais ou grupais de ganhos particulares (a "ganância") para produzir conflitos com múltiplos motivos coletivos e privados.
Contrariando as previsões mais otimistas, o fim da guerra fria e o término da influência das superpotências nos assuntos domésticos de países do Terceiro Mundo não provocaram uma diminuição do número de guerras civis. Certamente, alguns conflitos armados ocorriam fortemente influenciados pela lógica da guerra fria: as guerras do Camboja, de El Salvador, da Guatemala e de Moçambique são exemplos disso. Contudo, os conflitos no Afeganistão, em Angola, na Somália e no Congo só podem ser entendidos se buscarmos explicações que não estavam presentes até então.
Assim, se os conflitos civis da época da guerra fria aconteciam basicamente por motivos políticos e ideológicos, os "novos conflitos" ocorrem pelas mais diversas razões, entre elas, disputas por territórios, recursos naturais, pressão demográfica, mas também por questões religiosas, ideológicas e culturais.
A obra Rethinking the Economics of War tem uma estrutura bastante comum entre os livros da área de Relações Internacionais. O primeiro capítulo introduz o leitor no debate sobre os determinantes econômicos das "modernas" guerras civis, mostrando que as variáveis "sociais" e "políticas" ainda servem para explicar as razões dos conflitos armados. Do segundo ao oitavo capítulo, apresentam-se estudos de casos que dão base empírica às proposições desenvolvidas nos capítulos posteriores, sendo que o penúltimo (o nono) tem pretensões práticas e o último (o décimo) fornece explicações teóricas. Enfatiza-se que as conclusões dos dois últimos capítulos são meramente "propositivas", não fornecem a chave para todos os problemas do mundo nem procuram testar uma teoria aplicada a todas as guerras civis, mas, sim, contestam modelos e soluções "simplistas" (p. 260-261).
No primeiro capítulo, Cynthia J. Arnson resume o debate sobre as causas das guerras civis, tentando mostrar a diferença entre as "guerras tradicionais" e as "novas guerras" (p. 2). Como aponta a autora, apesar de não ser um fenômeno propriamente recente, as chamadas "novas guerras" não eram consideradas problemas estruturais para a comunidade internacional. Tais guerras caracterizam-se pelo fim da divisão entre o crime organizado e a guerra propriamente dita. Esse tipo de conflito é localizado, atinge principalmente civis e depende de conexões transnacionais para sua manutenção. Além disso, cria uma economia paralela baseada em saques e transações no mercado negro.
Um exemplo do aumento da preocupação da comunidade internacional com as chamadas "novas guerras" são as operações de manutenção da paz (ou peacekeeping operations), organizadas pela ONU. Essas missões têm o objetivo de manter a paz e a estabilidade de países arrasados por conflitos civis, como é o caso da missão liderada pelo Brasil no Haiti. Algumas missões têm a meta de observar o cessar-fogo ajustado previamente entre as partes em conflito; outras oferecem assistência aos Estados que estão fazendo a transição de regimes autoritários para democráticos.
Tradicionalmente, procurou-se entender as guerras por meio de explicações históricas, políticas e socioeconômicas. Na obra resenhada, a questão dos recursos econômicos merece tratamento especial. A pobreza e a desigualdade são fatores analisados para melhor compreender os "novos conflitos civis", assim como a busca por recursos como diamantes e petróleo. Os combatentes ou rebeldes que participam das "novas guerras civis" necessitam de recursos econômicos para se sustentarem. Por esse motivo, engajam-se em crimes como seqüestros, extorsões e tráfico de drogas. Na guerra fria, a busca de recursos servia principalmente como meio para atingir um fim definido em termos políticos, como, por exemplo, mudanças de regime ou revoluções socialistas. Na década de 1990, os recursos não são mais um meio para atingir um fim, mas a própria motivação dos conflitos civis. Dessa forma, as razões de muitos conflitos deixaram de ser eminentemente políticas e passaram a incluir motivações econômicas.
Como já enfatizamos uma das principais conclusões da coletânea, escrita basicamente por autores com formação na área de humanidades (Ciência Política, Relações Internacionais, Geografia e História), é a de que as guerras são motivadas por uma multiplicidade de variáveis, tanto econômicas quanto políticas. As considerações formuladas por esses autores procuram reduzir a influência de análises recentes baseadas exclusivamente em explicações quantitativas e econômicas.
Para melhor compreender os propósitos do livro, vale a pena revisar os estudos do economista Paul Collier e de sua colega Anke Hoefler para o Banco Mundial. Usando ferramentas da Economia Analítica, Collier e Hoefler (2001) concluíram que os conflitos eram causados por oportunidades propiciadas pelo comércio de mercadorias primárias (recursos) e que a injustiça não é a causa principal dos conflitos. As categorias que eles utilizam podem ser descritas como "injustiças objetivas" (ou seja, que podem ser mensuradas), sendo que apenas a dominação pela maioria étnica foi considerada importante para explicar as "novas guerras civis". Dessa forma, os autores não encontraram correlação estatística significativa entre os conflitos e os fatores que normalmente são considerados os principais motivos para a injustiça: repressão política e desigualdade econômica (medidas por meio da renda e da propriedade da terra).
Conforme Kuhn (2003), a história das ciências assemelha-se a um pêndulo. Uma teoria emerge e gera uma série de pesquisas empíricas que tentam enquadrar-se em seus modelos conceituais. Posteriormente, outra teoria surge e coloca em xeque os pressupostos do modelo anterior, arrebanhando novamente uma legião de cientistas que procuram pensar segundo os novos moldes. Finalmente, graças à incapacidade de as novas teorias explicarem certos fenômenos da realidade concreta, os pesquisadores retornam aos velhos modelos para tentar preencher as lacunas deixadas pelos desenvolvimentos mais recentes da ciência.
Como aponta I. William Zartman (p. 257-258), no último capítulo da coletânea, a imagem do pêndulo pode ser verificada "idealmente" nos estudos sobre os conflitos internacionais.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, os intérpretes dos conflitos internacionais preocupavam-se principalmente com os contenciosos interestatais que surgiam primeiramente nas "cabeças" dos líderes, prestando menos atenção às condições materiais que levavam os governantes a desejarem a guerra. Posteriormente, como a guerra fria trouxe uma paz relativa ao cenário mundial, analistas começaram a acreditar que os conflitos internos eram motivados pelas "forças internacionais", principalmente a interferência das superpotências nos assuntos domésticos dos países. Com a ascensão do nacionalismo anticolonialista, as explicações começaram a girar em torno dos direitos "naturais" e suas conseqüentes negações como as principais causas dos conflitos. Como reação a essas explicações, formulou-se que os conflitos internacionais eram conseqüências da pobreza. Apenas recentemente, começou-se a refletir sobre as condições em que a pobreza leva necessariamente ao conflito. Estas pesquisas produziram trabalhos sobre as guerras por recursos econômicos, chegando a ignorar as variáveis políticas, históricas e sociais por completo, como é o caso da obra de Collier e Hoefler citada anteriormente.
Os autores da coletânea procuraram oferecer uma explicação mais equilibrada — combinando elementos subjetivos e objetivos nas suas análises, reequilibrando o "pêndulo" entre as variáveis econômicas e as variáveis políticas, históricas e sociais. Em outras palavras, argumenta-se que enquanto a Economia Analítica lida bem com as variáveis "objetivas" (renda, fragmentação étnica, volume de mercadorias primárias de um país etc.), ela não consegue avaliar propriamente o impacto das variáveis "subjetivas" ou "sociais" (história de um povo, suas crenças e valores).
No capítulo II, Elizabeth Picard busca fazer uma síntese entre a literatura sobre recursos e a discussão sobre as "crenças". A autora argumenta que a caracterização da guerra civil libanesa (1975-1990) como um conflito identitário entre mulçumanos e cristãos pode ser combinada com análises econômicas, que a explicam por meio dos termos "necessidade" e "ganância". Embora o papel dos atores externos fosse importante, um acordo tornou-se possível quando a principal potência regional (a Síria) e a superpotência global (os Estados Unidos) buscaram uma solução pacífica para o conflito. Assim, a autora examina o caso do Líbano à luz das realidades materiais que estavam escondidas debaixo do discurso ideológico, demonstrando que se desenvolveu uma economia de guerra durante o conflito, com grupos e indivíduos beneficiando-se da corrupção existente no país.
Nesse capítulo, discute-se como os três principais recursos do Líbano — drogas, terra e força de trabalho — relacionam-se com a história, a lógica social e os processos políticos que contribuíram para a guerra civil. Por exemplo, o comércio de ópio e de haxixe existia antes da guerra, porém, o conflito deu uma nova dinâmica quantitativa e qualitativa para o narcotráfico. O tráfico de drogas cresceu com a entrada de novos atores no negócio, possibilitando que milícias vivessem de saques nos territórios por elas controlados. Além disso, o período de guerra produziu uma grande leva de imigrantes, que passaram a enviar milhões de dólares para aqueles que permaneciam no país, fornecendo recursos extras para os grupos armados e ampliando o controle das milícias sobre as terras e os bens das pessoas que deixaram a nação.
A guerra civil peruana lembra o caso libanês na medida em que o conflito armado praticamente terminou, mas o movimento guerrilheiro Sendero Luminoso continuou dispondo de uma renda significativa para exercer suas atividades. No capítulo III, Cynthia McClintock mostra como, em meados da década de 1980, o Sendero Luminoso lucrava de 20 a 40 milhões de dólares por ano com o comércio de drogas, tornando o Peru um dos maiores produtores de cocaína do mundo. O Sendero Luminoso usava o dinheiro para pagar salários para seus combatentes e aperfeiçoar sua capacidade militar e organizacional; entre o final dos anos 1980 e o começo de 1990 o movimento controlava aproximadamente 25% dos municípios do país e contava com cerca de 25 mil militantes.
A autora estabelece a relação entre as noções de injustiça, ideologia e renda do comércio de cocaína para explicar a origem do Sendero Luminoso e o seu crescimento espetacular na década de 1980. O movimento nasceu na década de 1970 nas regiões montanhosas do Sul do Peru. Os agricultores dessa região praticamente não se beneficiaram da reforma agrária promovida pelo governo peruano em 1968. No mesmo período, outras políticas governamentais afetaram os preços e o crédito, e o investimento público declinou, prejudicando ainda mais a já debilitada renda agrícola. Paradoxalmente, o declínio do padrão de vida peruano entre 1971 e 1990 (a renda per capita caiu cerca de 20% ao ano) foi acompanhado de uma expansão de oportunidades educacionais graças a uma série de reformas do governo. Assim, os filhos dos camponeses, apesar de terem uma maior chance de freqüentar escolas e universidades, frustravam-se ao tentar encontrar boas oportunidades profissionais.
A ideologia marxista-maoísta do Sendero Luminoso fazia sentido no contexto social de desigualdade e pobreza peruano. Assim, o Sendero Luminoso ganhou adeptos nos centros urbanos na medida em que o declínio econômico do Peru acentuava-se na década de 1980. Ao mesmo tempo, o oportunismo, não a ideologia, fez com que o Sendero Luminoso aceitasse o apoio dos produtores de cocaína do sul peruano, que formaram milícias para se protegerem dos programas de erradicação de drogas do governo. Contudo, a autora enfatiza que os recursos serviam basicamente para fins políticos, que o conflito nunca foi movido exclusivamente pela "ganância", um quadro em que o comércio de cocaína tornar-se-ia o único objetivo da luta armada.
No quarto capítulo, Jimmy Kandesh distingue entre a "ganância" como uma causa da rebelião e como um motivo para ela, argumentando que em Serra Leoa ambos os sentidos foram relevantes para a origem e o caráter do conflito provocado pelos rebeldes da Frente Revolucionária Unida. A "ganância", como causa, refere-se ao impacto social de leis predatórias, pela acumulação financeira por parte da classe política e seu conseqüente papel em impulsionar o colapso do Estado, enquanto a "ganância", como motivo, diz respeito às atividades daqueles que pegaram em armas para saquear os diamantes do país. Assim, o conflito de Serra Leoa — caracterizado inicialmente pelo idealismo dos estudantes que pegaram em armas contra o governo corrupto — passou a incorporar criminosos e oportunistas, atuantes no país e no exterior, que desejavam lucrar por meio do comércio ilegal de diamantes.
Como em Serra Leoa, no quinto capítulo, Phillipe Le Billon vê relação entre os recursos e a guerra de Angola, também permeada pela degeneração do sistema político, enfraquecimento do Estado, violência estatal acirrada e sectarismo. A intromissão de potências externas após a guerra de independência de Angola, em 1975, transformou uma luta anticolonialista em uma longa batalha: os Estados Unidos, a União Soviética, Cuba, a China, a África do Sul e o Zaire apoiavam a Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA), o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Total Independência de Angola (UNITA), segundo os interesses estratégicos da guerra fria. Contudo, quando os estrangeiros pararam de apoiar o conflito, no início da década de 1990, a posse de recursos (petróleo pelos governistas da MPLA e diamantes pela UNITA) significativamente influenciou o curso do conflito, prolongando a guerra ao fornecer capital para a continuação da luta e desestimulando o estabelecimento de um acordo de paz.
A possibilidade de obtenção de renda por meio de recursos naturais, como em Serra Leoa, distorceu as instituições e a vida política de Angola, permitindo que as elites tomassem o poder pela força. Elas tinham capital para sustentarem seus exércitos, ao mesmo tempo em que mantinham altos níveis de corrupção, contribuindo para o déficit fiscal e, conseqüentemente, prejudicando a diversificação da economia.
A República Democrática do Congo, ex-Zaire, é o tema do sexto capítulo. Conforme Erik Kennes, os estrangeiros foram os principais desencadeadores dos conflitos armados de 1996-1997 e de 1998-2003, e a briga pela hegemonia regional que provocou a queda do regime de Mobuto Sese Seko foi motivada por objetivos estratégicos e razões econômicas. As diversas facções do movimento rebelde congolês recebiam, em diferentes momentos, o apoio de Ruanda, Uganda, Angola, Zimbábue e Namíbia, sendo que os dois primeiros competiam pelo controle direto e indireto de porções do território do Congo de onde poderiam extrair diamantes. Nesse sentido, Ruanda e Uganda apoiaram a guerra congolesa por "ganância" e pela busca da liderança regional. Como no caso angolano, o conflito do Congo originou-se pela "necessidade", motivando atores que agiam de forma "gananciosa". No entanto, "por mais que a seqüência 'necessidade', 'crença' e 'ganância' forneça uma explicação geral para a guerra civil, a distinção é meramente analítica; no mundo real, os três termos não são seqüenciais, mas cumulativos". Em outras palavras, "a 'necessidade' pode ser a noção que melhor descreve uma situação pré-conflituosa, mas ainda está presente no final do conflito" (p. 141).
O caso colombiano é abordado no sétimo capítulo. Nele, Marc Chernick explora a transformação e o desenvolvimento dos cerca de 50 anos de conflito na Colômbia e a relação entre as questões político-sociais e as exportações de narcóticos, mostrando como os conceitos de "ganância" e "injustiça" ajudam a explicar as origens e a continuação do conflito. O autor argumenta que o tráfico de drogas passou a jogar um papel importante no conflito a partir de meados da década de 1980, transformando os grupos guerrilheiros. Especialmente as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCS), que de uma pequena facção camponesa insurgente passaram a grupo milionário, que dedica parte considerável de seus esforços a atividades criminosas, não à busca de seus ideais socialistas. A ausência do Estado em grandes porções territoriais da Colômbia facilitou o narcotráfico e a expansão do grupo guerrilheiro. Conforme o autor, a experiência colombiana sugere que a injustiça, a ideologia e os fatores internacionais (particularmente o papel dos Estados Unidos na região) explicam as origens e a longa duração da guerra; não apenas a mobilização de recursos e a "ganância".
Em 7 de outubro de 2001, deu-se o início do ataque dos Estados Unidos ao Afeganistão para remover os Talibans do poder, possivelmente enfraquecendo, mas não desmantelando suas conexões com o grupo terrorista Al-Caida. No oitavo capítulo, Paula Newberg descreve que a atual guerra do Afeganistão só pode ser entendida no contexto de três décadas de conflitos internos e externos, que foram provocados pela má administração dos negócios do Estado e pela luta de Kabul contra os rebeldes e os líderes tribais das regiões periféricas do país. Vinte anos antes de o Taliban subir ao poder, os líderes tribais ganharam apoio internacional para financiar a guerra contra o seu próprio governo central e contra a União Soviética. A autora argumenta que, como em Serra Leoa e no Congo, o colapso do Estado e as disputas territoriais levaram ao acirramento do conflito no Afeganistão. De fato, parte do conflito originou-se da violenta rejeição da noção de Estado, pois, sem a fiscalização estatal, os lucros obtidos por meio da venda de ópio aumentavam.
Os conflitos internos do país, originados pela fragmentação tribal, étnica e ideológica, tornaram-no um terreno fértil para os "interesses exógenos". Países vizinhos, como o Paquistão e o Irã, potências internacionais, inclusive os Estados Unidos, e movimentos islâmicos transnacionais sustentaram e alimentaram disputas locais, fornecendo dinheiro, equipamento e pessoal. O esforço internacional para desestabilizar a ocupação soviética (1979-1989) criou um novo patamar para a insegurança regional, enfraquecendo política e economicamente os vizinhos do Afeganistão, contribuindo para o aumento da tensão na Ásia Central.
Finalmente, o nono capítulo, escrito por David Malone e Jake Sherman, examina uma série de instrumentos políticos disponíveis para os governos, coalizões multinacionais, organizações internacionais e entidades privadas tentarem lidar com as "novas guerras civis", como, por exemplo: a criação de leis humanitárias, anticrime, antiterroristas e a realização de operações de paz após o término do combate. Conforme os autores, sanções e embargos econômicos ainda são os instrumentos empregados mais freqüentemente, mas medidas para impedir a lavagem de dinheiro, desestabilizar o narcotráfico e minimizar o impacto negativo das atividades ilícitas do setor privado devem ser estimuladas, assim como esforços para combater a corrupção e o crime organizado internacional.
Os autores apontam também para as dificuldades que os formuladores de políticas enfrentam nos países que lucram com os recursos provenientes das regiões em conflito. De fato, é muito difícil combater algumas ações que estimulam os conflitos, como firmas que criam empregos nos países consumidores de recursos ilícitos, normas de segredo bancário e transações monetárias suspeitas. A criação de instrumentos legais para punir o crime de "colarinho-branco" internacional, criando obstáculos para diminuir o lucro obtido por meio da economia de guerra, seria medida para desestimular algumas causas de conflitos movidos por recursos. Outra medida eficaz seria a criação de instituições e regimes internacionais para lidar com os crimes econômicos internacionais de grandes proporções, similares aos que estão sendo desenvolvidos para processar criminosos de guerra, crimes contra a humanidade e de genocídio.
Ao trazer para o debate análises econômicas sem ignorar questões políticas e ideológicas, o livro contribui para a compreensão das "novas" formas de conflito civis. Assim, a obra não é um trabalho com objetivos apenas "acadêmicos". Procura também influenciar a realidade concreta, buscando oferecer alternativas para o término das guerras civis ainda em curso. Tanto é assim que ela foi concebida no Woodrow Wilson Center, um thin-tank que funciona graças a fundos públicos e privados, tendo com o objetivo promover debates e formular políticas públicas de caráter progressista; combatendo, por sua vez, pesquisas sobre a guerra civil formuladas no âmbito do Banco Mundial. Dessa forma, a coletânea é recomendada não apenas para estudantes e pesquisadores de Relações Internacionais, mas também para profissionais, militares e diplomatas, que se preocupam em entender os conflitos para tentar evitá-los.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COLLIER, P. & HOEFLER, A. 2000. Greed and Grievance in Civil War. Disponível em: http://www.worldbank.org/research/conflict/papers/greedgrievance_23oct.pdf. Acesso em : 8.fev.2006.
KUHN, T. S. 2003 [1970]. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva.


Recebida em 5 de fevereiro de 2006 Aprovada em 10 de abril de 2006


Gabriel Cepaluni (gcepaluni@yahoo.com.br) é mestre em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Universidade Estadual de Campinas – Unicamp), doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec). Filipe Mendonça (filipe_relint@yahoo.com.br) mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Universidade Estadual de Campinas _ Unicamp) e pesquisador júnior do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec).