terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

MODOS DE PRODUÇÃO E ESPAÇO GEOGRÁFICO

A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: OS TERRITÓRIOS E OS LUGARES

 
O espaço geográfico é para a Geografia um elemento fundamental de estudo. Esse espaço resulta da relação entre a sociedade e a natureza. Assim, é a sociedade que o constrói por meio de ações humanas, que passam por mudanças através da história. O espaço é, portanto, expressão das relações sociais.
O espaço geográfico somente surge, no dizer do ilustre geógrafo Milton Santos, após o território ser usado, modificado ou transformado pelas sociedades humanas. Ou quando estas imprimem na paisagem as marcas de sua atuação e organização social.
O espaço geográfico não possui apenas uma dinâmica natural. A esta deve ser acrescentada uma dinâmica social, exercida pelas formações sociais que nela vivem e atuam. Ao se apropriar da natureza e ao transformá-la, a sociedade cria ou produz o espaço geográfico, utilizando as técnicas de que dispõe, segundo o momento histórico e segundo as suas representações, ou seja, crenças, valores, normas e interesses políticos e econômicos.
Desse modo, não se pode ignorar que os espaços geográficos possuem uma historicidade, ou seja, são realidades temporais, pois a cada geração humana corresponde a uma geração espacial, mediadas no seu processo de apropriação de riquezas e de organização pelas normas ou pelas leis vigentes.
Considerando-se ainda que o ser humano não age de forma isolada e sim coletiva, no processo de produção do espaço geográfico, conclui-se que ele é socialmente elaborado ou produzido, o que corrobora seu caráter de produto social ou ainda de produto histórico-social.
Desse modo, o espaço geográfico é de forma inequívoca a expressão do visível de como a sociedade está organizada segundo as normas estabelecidas. Nele estão expressas as desigualdades sociais, a distribuição do poder, o jogo de interesses e de pressões existentes entre grupos e classes sociais sobre o Estado, conduzindo este, historicamente, no veículo permissivo da construção de espaços em benefício de alguns e não de todos.
Na medida que reconhecemos que o espaço geográfico é um produto histórico-social e a expressão da destruição do poder existente numa dada sociedade, podemos, sem receio, afirmar que ele possui um conteúdo ideológico e político, ou como afirmou o filósofo Henri Lèfèbre:
“O espaço foi formado, modelado a partir de elementos históricos ou naturais(...). A produção do espaço não pode ser comparado à produção de tal ou qual objeto particular, de tal ou qual mercadoria. E no entanto existem relações entre a produção de coisas e a produção do espaço. E isso devido a grupos particulares que se apropriam do espaço para administrá-lo e explorá-lo.” (citado por Robert Auzelle, in Chaves do Urbanismo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972, p. 115 e116)
 
Lembrando Hegel :
“Antes que o novo tenha condições de surgir, é necessário que o antigo atinja a sua plenitude, ou seja, a sua forma mais plena. O momento em que um sistema atinge o seu auge é o momento que precede o seu esgotamento e superação.”
 

PAISAGEM E ESPAÇO GEOGRÁFICO
Porto de Belem - Pará
 
A Paisagem geográfica é, portanto, a parte visível do espaço, que pode ser descrita através dos elementos ou objetos que a compõem.
O conjunto dos elementos que o olhar alcançar constitui a paisagem geográfica: Porções de uma área agrícola, de uma cidade, de um porto, de uma rodovia, etc.
As paisagens são formadas por elementos naturais e elementos humanos ou sociais, ou seja, construídos pelos homens operando em sociedade. Como tudo aquilo que os homens elaboram constitui a sua cultura, também podemos chamar de elementos humanos ou de elementos culturais.
Hoje, dada a complexidade da vida social e a evolução tecnológica atingida pelo homem, a paisagem natural formada exclusivamente por elementos naturais, praticamente não existe. Pois já é objeto de preocupações políticas e econômicas, ou seja, está no centro de lutas pelo poder - apropriação.
Desse modo, a paisagem quase sempre é heterogênea, isto é, formada por elementos naturais e culturais. Quanto mais transformada está a natureza, mais se destacam os elementos culturias da paisagem. Todavia, há regiões em que os elementos naturais ainda têm muito destaque. Além de heterogênea, a paisagem varia de um lugar para outro, em cada um deles, há uma determinada combinação de elementos. Porém, toda paisagem revela o conjunto de técnicas com que os homens produziram o seu espaço.
 DIFERENÇA ENTRE PAISAGEM NATURAL E PAISAGEM ARTIFICIAL
PAISAGEM NATURAL
Grosseiramente podemos dizer que é aquela ainda não mudada pelo esforço humano. Se no passado havia a paisagem natural, hoje essa modalidade de paisagem praticamente não existe mais. Se um lugar não é fisicamente tocado pela força do homem, ele, todavia, é objeto de preocupações e de intenções econômicas e políticas. Tudo hoje se situa no campo de interesse da história, sendo desse modo, social.

PAISAGEM CULTURAL, HUMANA OU ARTIFICIAL
É aquela transformada pelo homem. A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é formada por rações de ambas.
Quanto mais complexa a vida social, tanto mais nos distanciamos de um mundo natural e nos endereçamos a um mundo artificial. A cidade é o melhor exemplo dessas adições.

O ESPAÇO GEOGRÁFICO COMO PRODUTO HISTÓRICO E SOCIAL
 
À medida que se apropria da natureza (espaço natural) e a transforma, o homem (a sociedade) cria ou produz o espaço geográfico, e o faz através do trabalho. Utiliza, para tanto, as técnicas de que dispõe segundo o momento histórico e segundo suas representações, ou seja, crenças, valores, normas e interesses econômicos, fatores que orientam suas intervenções e relações como os elementos naturais ou físicos do espaço.
Assim, no processo de produção do espaço geográfico, o homem se apropria do espaço natural, que pode ser chamado de primeira natureza, e o transforma em uma Segunda natureza, segundo suas necessidades e interesses. A Segunda natureza, portanto, nada mais é do que a natureza humanizada.
Os espaços geográficos foram e são construídos ao longo da história das sociedades humanas, de modo que possuem uma historicidade. São, portanto, realidades temporais.
Para melhor entendimento de um espaço geográfico, é necessário estudar as transformações históricas pelas quais ele passou e passa a sociedade ou a formação social que o habita.
A cada geração humana corresponde uma geração espacial que, em muitos casos, sobrepõe suas produções e características (estilos arquitetônicos, organização e estrutura agrária e urbana, apropriações da riqueza, vias de transporte, exploração mineral, indústrias etc.) a um tipo de produção social: o espaço geográfico.
Podemos dizer, então, que o espaço geográfico é um produto histórico e social.
O homem não age de forma isolada, e sim, coletiva no processo de produção do espaço geográfico. Isso nos permite afirmar que este é socialmente elaborado ou produzido, o que corrobora seu caráter de produto social. Considerando, também que sua construção e reconstrução se fez e se faz através da história, é preciso compreendê-lo através das relações sociais de produção vigentes em cada período histórico.
O que devemos entender por relações sociais de produção e qual é a importância desse instrumento de análise para a compreensão dos espaços geográficos produzidos pelas sociedades humanas?
O conceito de relações sociais de produção refere-se ao conjunto das relações econômicas que se estabelecem entre homens no processo de produção (trabalho) e reprodução material de sua vida social.
No modo de produção capitalista (veja o quadro 1-A), por exemplo, a relação de produção fundamental ou básica é o trabalho assalariado, donde deriva a expressão relações assalariadas de produção. Nele polarizam-se os proprietários dos meios de produção (veja o quadro 1-B) e as pessoas que, não possuindo os meios de produção, vendem sua força de trabalho (energia física e mental) para os primeiros, recebendo em troca o pagamento de um salário. As relações econômicas ou de produção que se estabelecem entre ambos realizam-se com base no trabalho assalariado.
Quadro 1 - MODO DE PRODUÇÃO
Este conceito abrange o conjunto das forças produtivas (homem + instrumentos de trabalho) e das relações existentes numa dada sociedade num certo período histórico. Pelo modo de produção de uma sociedade é possível conhecer sua totalidade social, ou seja, sua organização e estrutura.
Ao longo da história das sociedades humanas, podem ser verificados vários modos de produção: o comunista primitivo, o asiático, o escravista, o feudal, o capitalista e o socialista.
No modo de produção feudal, por exemplo, as relações de produção baseavam-se na servidão e as forças produtivas eram pouco desenvolvidas (o conhecimento técnico e os instrumentos de trabalho eram ainda rudimentares).
Não se deve confundir este conceito com o de modo de produção de bens materiais, que se refere apenas ao modo de fazer ou produzir bens econômicos, objetos ou serviço.
No decorrer da história da humanidade diversos modos de produção e conseqüentemente diferentes formas de relações de produção repercutiram na produção do espaço geográfico.
Não é difícil entender por que o modo de produção e as relações de produção exercem um peso significativo no processo de criação do espaço geográfico.
Quadro 2 - MEIOS DE PRODUÇÃO
Podemos definir meios de produção como o conjunto formado pelos meios de trabalho e pelos objetos de trabalho.
Os meios de trabalho incluem os instrumentos de produção (máquinas, ferramentas), as instalações (edifícios, armazéns, silos etc.), as fontes de energia utilizadas na produção (elétrica, hidráulica, nuclear, eólica etc.) e os meios de transportes.
Os objetos de trabalho são os elementos sobre os quais ocorre o trabalho humano (matérias-primas minerais, vegetais e animais, o solo etc.).
A sociedade, ao construir o espaço geográfico, imprime nele as ‘’marcas’’ de suas formas de organização e estruturação, e da distribuição do poder político e econômico entre os seus membros e grupos. Por exemplo, se ela está dividida em classes sociais, essas ‘’marcas’’ inevitavelmente são as da sociedade de classes ou das classes e estamentos sociais que a compõem.
Para comprovar essa afirmação, basta observarmos as cidades. Por vivermos nelas, é mais fácil verificarmos como estão organizadas socialmente ou como se distribui a renda ou a riqueza entre os seus habitantes, pois em seu interior as desigualdades, os contrastes e as diferenças entre as classes sociais ficam mais visíveis. Concentradoras de protagonistas sociais heterogêneos, as cidades são palco propício a um exame de como uma sociedade organiza o espaço e, através da análise do fenômeno espacial, permitem-nos conhecer melhor a sociedade da qual fazemos parte.
Ao se observarem as características mais imediatamente perceptíveis dos espaços urbanos, percebe-se com facilidade, por exemplo, a existência de uma cidade formal e de uma cidade informal. Esse fenômeno ocorre em todo o mundo, mas é mais gritante em cidades de países subdesenvolvidos, como o Brasil, onde as disparidades sociais são mais profundas

Entrada do Alphaville - SP
A cidade formal é dotada de uma infra-estrutura eficiente, ou seja, possui redes de água e de esgoto, coleta de lixo, energia elétrica, rede telefônica, ruas pavimentadas, transportes coletivos, escola, postos de saúde, casas, prédios de apartamento de diversos níveis arquitetônicos de conforto, tamanho e satisfação, lojas, boutiques, supermercados, shopping centers etc. É, no geral, composta de bairros nobres, bairros centrais e de classe média.

Favela da Rocinha - RJ
Contrapondo-se a ela, ergue-se a cidade informal, composta daqueles bairros, vilas cortiços e favelas, que carecem de todos ou de alguns serviços de infra-estrutura. Embora em geral localize-se na periferia, pode-se situar-se ao lado de bairros elegantes, sob a forma de favelas. É nela que mora a população de baixa renda, em casas pequenas e inacabadas ou mesmo em barracos construídos com restos de madeiras, caixotes de frutas, telhados de zinco ou de latas utilizadas em placas de propaganda, e de outros materiais improvisados.
Comparando-se, portanto, as diferentes características ou fisionomias desses bairros, é possível afirmar, em muitos casos, que a cidade é palco do fenômeno que conhecemos como segregação sócio-espacial. Trata-se de um processo social no qual o acesso aos espaços de maior ou menos valorização da cidade é determinado pelo poder aquisitivo das pessoas.
No contexto da produção capitalista do espaço, as áreas impróprias à ocupação ou distantes daquelas que têm melhor infra-estrutura básica, facilidade de acesso aos centros comerciais mais importantes etc, são reservadas às classes mais pobres. Nesse fenômeno, alisa, cabe salientar o que se chama de ‘’especulação imobiliária’’, isto é, o controle do acesso à terra por indivíduos e empresas que fazem dela uma fonte de lucros.
O espaço geográfico (e no caso analisado, o urbano) é, portanto, a expressão mais visível de como a sociedade está organizada. Nele são reproduzidas as desigualdades sociais de uma determinada sociedade e, portanto, as desigualdades de renda entre as classes sociais que a compõem.
A sociedade deixa, assim, no processo de produção do espaço geográfico, as ‘’marcas’’ de como está distribuído o poder econômico e político. Sendo ao mesmo tempo – enquanto realidade física imediatamente observável – um registro da época (das relações sociais de produção vigentes) e um documento de cultura, o espaço geográfico é assim capaz de comunicar àqueles que o observam criticamente e com o espírito de análise os valores e finalidades da ação humana adotados por uma sociedade.
Forte do Castelo - Belém-Pará
Na medida em que é produto social e histórico, podemos dizer que o espaço é político. Ou como afirmou o filósofo francês Henri Lefébrve:
‘’O espaço foi formado, modelado, a partir de elementos históricos ou naturais, mas politicamente [...] A produção do espaço não se compara à produção de tal ou qual objeto particular, de tal ou qual mercadoria. E, no entanto existem relações entre a produção das coisas e a produção do espaço. E isso devido à existência de grupos particulares que se apropriam do espaço para administra-lo e explora-lo’’ (Henri Lefébvre, citado por Robert Auzelle in Chaves do Urbanismo, p. 115-116)

O TRABALHO E A TRANSFORMAÇÃO DA NATUREZA E DO ESPAÇO GEOGRÁFICO
Para sobreviver e se adaptar às condições dos diferentes ambientes da superfície da Terra, os seres humanos passaram a coletar e a produzir alimentos, construir habitações, fabricar roupas, utensílios domésticos e instrumentos às suas atividades, criando,dessa forma, os seus próprios meios de sobrevivência. Para tanto, precisaram extrair recursos ou matérias-primas da natureza e transformá-los por meio de seu trabalho. Por exemplo, quando começou a praticar a agricultura, há cerca de 11 mil anos atrás, ele cultivava o solo com arados manuais. Com o passar do tempo, desenvolveu o arado de tração animal e, atualmente, utiliza arados mecânicos puxados por tratores.
Essa evolução ocorreu à medida que ele foi aprendendo, acumulando e adquirindo novos conhecimentos e habilidades. Esse conjunto de conhecimentos e habilidades que a sociedade humana constantemente desenvolve e aperfeiçoa para tornar o seu trabalho mais ágil e suas atividades mais produtivas é chamado de técnica.
Com o aprimoramento das técnicas de trabalho, o ser humano também passou a explorar de maneira mais intensa os recursos da natureza. A utilização de instrumentos e técnicas de trabalho cada vez mais avançados tornou possível, por exemplo, cultivar extensas áreas de solo para produzir alimentos, explorar recursos florestais, extrair recursos minerais existentes no subsolo, utilizar água dos rios par gerar energia elétrica etc.
Ao se apropriar dos recursos da natureza, o ser humano foi transformando cada vez mais intensamente as paisagens terrestres e alterando as características do espaço em que vive. Esse espaço, ocupado e ao mesmo tempo transformado pelo trabalho humano recebe o nome de espaço geográfico.
TÉCNICAS E CULTURAS
A sociedade em que vivemos caracteriza-se pela capacidade de dominar, de modo cada vez mais rápido, um grande número de técnicas bastante sofisticadas. Essas técnicas foram desenvolvidas principalmente a partir dos avanços científicos que ocorreram nos últimos anos.
O domínio dessas técnicas pode ser observado em muitas situações do nosso dia-a-dia. Por exemplo, quando utilizamos o caixa eletrônico de um banco para pagar contas ou retirar dinheiro, quando fazemos uma ligação em um aparelho de telefone celular, quando enviamos ou recebemos mensagens pela Internet ou, ainda, quando realizamos exames médicos em modernos aparelhos de diagnóstico, como os de ressonância magnética.

No entanto, existem muitas outras sociedades que utilizam técnicas menos complexas para atender às suas necessidades e realizar as atividades cotidianas. Em geral, essas sociedades sobrevivem da pesca, da caça, da coleta de frutos e plantas comestíveis ou pastoreio nômade. Embora sejam realizadas com a ajuda de instrumentos rudimentares, essas atividades garantem a sobrevivência desses povos.
Entre essas sociedade estão os coletores e caçadores que vivem no interior das grandes florestas equatoriais, como os indígenas que vivem na floresta Amazônica; os pigmeus e os bosquímanos, na floresta do Congo; os inuítes (esquimós), que vive nas terras geladas da região Ártica; os aborígenes na Austrália; os pastores nômades, como os tuaregues do deserto do Saara e os massais das estepes africanas; os povos pescadores como os samals, nas Ilhas do Pacífico, e os mokens, nas Ilhas do Índico. Outros povos se dedicam quase exclusivamente à agricultura de subsistência, como os quichuas e aimarás, nas altas montanhas do Peru e da Bolívia; os berberes, no norte da África; e os Khmers do Camboja, no sudeste da Ásia.