sábado, 14 de novembro de 2009

Bolívia: aonde vai Evo Morales?

Marcus Kollbrunner - 05 de abril de 2006

Com 54% dos votos, Evo Morales, líder do MAS (Movimiento al Socialismo) e dos cocaleros da região do Chapare, foi o primeiro indígena a ser eleito presidente da Bolívia. A ampla margem de vitória é uma mostra do rechaço das políticas neoliberais implementadas no país desde 1985. A vitória de Evo Morales foi também baseada no movimento de massas que derrubou dois presidentes, Lozada em 2003 e Mesa em 2005, exigindo a nacionalização do gás e do petróleo do país.

O MAS conseguiu obter a maioria absoluta na Câmara Baixa e quase obteve a maioria no Senado. O MAS elegeu também 3 dos 9 governadores e ganhou em todas as grandes cidades menos em Santa Cruz.

Dúvidas nos movimentos sociais

Ao mesmo tempo em que Evo Morales obteve um grande apoio popular existem grandes dúvidas nos movimentos sociais sobre se ele vai cumprir suas promessas, por causa da sua trajetória na luta dos últimos anos.

A COB (a central operária) deu ao novo presidente três meses para implementar uma verdadeira nacionalização do gás e o petróleo, caso contrário irão recomeçar com as mobilizações.

Durante a campanha eleitoral Morales prometeu que o salário mínimo seria triplicado, saltando de 60 dólares (480 bolivianos) para 185 dólares (1,5 mil bolivianos). Mas hoje ele não reconhece essa promessa e oferece um aumento de apenas 6 dólares!

Os sindicatos dos professores também estão descontentes com o reajuste de salário de apenas 7%, dos quais a metade some com a inflação. Os professores ganham apenas 600 bolivianos por mês e o aumento só será suficiente para meio litro de leite a mais por dia.

Em El Alto , cidade vizinha a La Paz que possui uma população trabalhadora e pobre, 88% dos eleitores votaram no MAS nessas eleições. A cidade foi o foco principal das lutas dos últimos anos. Mas agora a FEJUVE (Federação das Juntas de Vizinhos de El Alto) declarou o "fim da trégua" com o governo, informa o jornal El Diario.

A organização, que exige a nacionalização dos hidrocarbonetos, esta discutindo a preparação de lutas em torno de temas como as altíssimas tarifas de eletricidade e a falta de conexões de gás.

O foco da luta dos últimos anos tem sido sobre o controle dos hidrocarbonetos, o gás e o petróleo. A Bolívia tem a segunda maior reserva do gás do continente, depois da Venezuela, com um valor estimado em cem bilhões de dólares. A luta por esses recursos é vista como decisiva para retirar da pobreza os 6 milhões de bolivianos que vivem nessas condições numa população total de 9 milhões.

Durante os governos neoliberais as empresas multinacionais tiveram fácil acesso para explorar as riquezas do país. Os impostos sobre a exploração dos hidrocarbonetos foram rebaixados de 50 para 18%. A maior empresa estrangeira no país é a Petrobrás, que controla 46% das reservas de gás na Bolívia. Só as atividades da Petrobrás correspondem a 18% do PIB boliviano.

Nacionalização dos hidrocarbonetos

Mas Morales já deixou claro que a "nacionalização" dos hidrocarbonetos que ele vai implementar será somente simbólica.

"Não haverá nem confisco nem expropriação", foi a mensagem repetida pelo Evo Morales para acalmar os capitalistas nas visitas que fez à Espanha, França, Argentina, Brasil etc.

A nacionalização de Evo Morales limita-se a declarar que os recursos naturais são propriedade nacional, mas que as atividades de exploração, refinamento e exportação ainda serão realizadas por empresas estrangeiras, que apenas terão que pagar um imposto mais alto, de 50%.

A exploração de gás e petróleo no país ainda será uma das mais baratas no mundo. A Petrobrás vai continuar a fazer grandes investimentos no país. Nos últimos 10 anos a Petrobrás investiu 1,5 bilhão de dólares na Bolívia e tem planos para investir mais 5 bilhões.

Calcula-se que o aumento de impostos fornecerá entre 100 a 200 milhões de dólares a mais por ano para o Estado boliviano, o que é insuficiente para fazer algo contra a enorme pobreza que atinge principalmente a maioria indígena no país.

Evo Morales tem nas suas viagens defendido o direito das empresas de "obterem lucros" desde que haja um "equilíbrio" com os benefícios para o Estado. "Queremos sócios, não patrões", diz ele dando a impressão que existe um outro capitalismo com face humana.

Espanha agradecida

Ele também enfatizou o "papel fundamental" dos investimentos espanhóis na Bolívia quando falou num almoço com a entidade empresarial espanhola. O governo espanhol recompensou Morales prometendo perdoar grande parte da dívida que a Bolívia tem com a Espanha.

Evo Morales também fechou um acordo com a Confederación de Empresarios Privados de Bolivia (CEPB), prometendo "manter a estabilidade macroeconômica e a credibilidade internacional do país", segundo El Diario. Evo Morales declarou recentemente: "é importante fazer negócios e peço aos empresários que me apóiem com suas experiências. Se o melhor é a ALCA, o MERCOSUL, CAM ou acordos com China, Estados Unidos, temos que estudar os benefícios para o país".

Um outro assunto que já criou polêmica é o plano do Evo Morales de convocar uma Assembléia Constituinte. As eleições para a Constituinte serão no dia 2 de julho e ela deve reunir-se em 6 de agosto. Mas os movimentos sociais não estão satisfeitos com a composição da Constituinte e querem que ela tenha uma maioria indígena e dos movimentos.

Outra demanda importante é de uma reforma agrária. A COB levanta a necessidade de expropriar os 25 milhões de hectares que estão nas mãos de uma centena de famílias de latifundiários, que tem cinco vezes mais terra que dois milhões de camponeses. Mas a política de Evo Morales não é de entrar em confronto com os latifundiários, somente abrir para uma nova colonização. Evo Morales também deu aval, até antes da posse, à privatização do MUTUN, uma das maiores explorações minerais do mundo.

O papel de Morales

O papel de Morales nos últimos anos foi de ser a ala moderada do movimento, sempre apontando para uma saída constitucional para os conflitos. Durante a "guerra do gás" em outubro 2003 que derrubou o Sánchez de Lozada, ele estava fora do país. Quando voltou deu apoio ao vice de Lozada, Carlos Mesa, que assumiu a presidência.

Mesa chamou um referendo sobre os hidrocarbonetos em 2004, com perguntas ambíguas, para evitar respostas claras sobre a questão da estatização, o que permitiria que o controle do gás e o petróleo ficasse nas mão das multinacionais, em troca de um pequeno aumento dos impostos. Evo Morales deu apoio ao referendo, quando os movimentos chamavam pelo boicote, e por isso ele foi expulso da COB.

No movimento de maio e junho de 2005, que acabou derrubando Mesa, foi colocado de novo a questão da nacionalização, enquanto Morales dava apoio à nova Lei dos Hidrocarbonetos de Mesa, mas com um maior aumento do novo imposto. Morales também deu apoio ao novo presidente interino, o presidente do Supremo Tribunal, quando o movimento estava discutindo a necessidade de acabar com o parlamento corrupto.

"Capitalismo andino-amazônico"

O vice presidente do Evo Morales, um suposto intelectual marxista e o ideólogo do governo, fala que a política do governo visa construir um "capitalismo andino-amazônico".

O próprio Morales fala de um "socialismo de micro escala" organizado com o engajamento da sociedade camponesa. Mas sem um controle das grandes empresas industriais, do qual o setor petrolífero é o mais importante do país, não será possível usar os recursos do país para erradicar a pobreza.

Existe nos movimentos sociais, como a COB, o sindicato dos mineiros, a FEJUVE, etc, uma discussão sobre a necessidade de ruptura com o sistema capitalista. Mas falta ainda uma expressão política mais clara para esse movimento que possa desafiar o sistema. No final das contas Evo Morales conseguiu sempre desviar o movimento e ganhou o apoio da grande maioria da base desses movimentos nas eleições.

Os movimentos se reuniram no dia 10 de dezembro em El Alto numa "Cúpula Nacional Operária Popular". Na declaração desse encontro se diz que as eleições foram chamadas para desarticular a luta dos explorados e que as eleições não vão resolver nada. A declaração chama para uma Assembléia Nacional Popular Originária em oposição do projeto de Constituinte do Morales que eles dizem que servirá para proteger o sistema e os interesses das multinacionais. Eles convocam essa Assembléia Nacional Popular Originária para dia 10 de abril. A declaração também levanta a necessidade de um governo operário-camponês, junto com a nacionalização sem indenização dos hidrocarbonetos, reestatização das empresas privatizadas etc.

Construir uma alternativa

É preciso avaliar com cuidado qual deve ser a tática correta diante da Constituinte de Morales. Não é provável que haverá uma ruptura de massas tão cedo com o regime de Morales, que ainda vai ser visto com esperança pelas massas. Morales tem tomado medidas que serão populares, como a de baixar o seu salário presidencial em 57% ou de retirar os chefes de autoridades corruptas. Uma Constituinte que acabe com símbolos herdados da época colonial e que levante a identidade indígena, também terá apoio.

O que ainda falta é uma expressão política na forma de um partido socialista e revolucionário, que possa disputar a hegemonia com o MAS. Um partido dotado de um programa e estratégia revolucionários e que consigam construir uma ponte entre as lutas concretas de hoje na Bolívia e a necessidade de uma transformação socialista.

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