quinta-feira, 22 de outubro de 2009

24 de setembro de 2009 | N° 16104AlertaVoltar para a edição de hoje

ARTIGOS

A crise em Honduras e a posição brasileira, por Anelise Pletsch*

A deposição de Manuel Zelaya em 28 de junho, após tentativa frustrada de convocar plebiscito para alterar a Constituição de Honduras e, assim, viabilizar sua reeleição, foi duramente criticada pela comunidade internacional. O retorno do presidente ao país, após quase três meses do golpe que o tirou do poder, e a obtenção de abrigo na embaixada brasileira em Tegucigalpa trouxeram novos desdobramentos para a crise. Por um lado, a volta de Zelaya acentua a instabilidade no país. De outro, o governo interino, ao retirá-lo pela força militar e, depois, ao impeli-lo de retornar, resgata velhos fantasmas latino-americanos em que golpes do gênero eram comuns, maculando a ordem constitucional hondurenha, que veda a deportação de nacionais e assegura a garantia do devido processo legal. Quanto ao Brasil, é inegável que vem assumindo publicamente o desejo de atuar como pacificador. Os últimos acontecimentos o colocam, de fato, no centro do impasse.

A diplomacia brasileira sempre concedeu asilo diplomático a estrangeiros, ancorada em um costume latino-americano com raízes no século 19, associado à ideia de tutela à vida ou à liberdade de indivíduo que seja ameaçado ou perseguido em seu país por motivações políticas. Trata-se de proteção temporária e excepcional, já que o abrigo se dá no território do país que promove a ameaça, em locais imunes a sua jurisdição, como missões diplomáticas estrangeiras, até que o indivíduo possa dele ser retirado com segurança.

O que se vê em Honduras, contudo, é o retorno do “perseguido” ao foco da crise, sendo que o próprio governo brasileiro resiste, até o momento, em lhe atribuir oficialmente o status de asilado. De qualquer sorte, não há, de acordo com o Direito internacional, autorização para que o governo interino de Honduras promova corte de energia elétrica à missão diplomática ou quaisquer outras medidas restritivas. A embaixada é local inviolável, devendo ser respeitada e protegida pelo país acreditado.

Também têm sido frequentes as acusações de que a atitude brasileira configuraria interferência ilícita nos assuntos internos hondurenhos, o que não procede, porquanto a questão democrática há muito deixou de estar reservada à jurisdição doméstica estatal. Por outro lado, desde a deposição de Zelaya, a Organização dos Estados Americanos vem buscando uma solução pacífica para o caso, tendo, inclusive, escolhido um mediador: o presidente da Costa Rica, Oscar Arias.

Nessas condições, parece evidente que já houve uma opção da América Latina por um representante legítimo para a crise. Ao que tudo indica, a presença do Brasil acirrará mais os ânimos em um ambiente já instável e, infelizmente, ainda pouco propício à consolidação da democracia.

*Professora da área de Direito Internacional Público da Unisinos

Nenhum comentário:

Postar um comentário